Lembrei agora de Ettore Scola, um cineasta de que gosto
muito, e me dei conta, após pesquisar em um site especializado, que ele não faz
filmes há uma década. Está com mais de 80 anos, e creio que não irá mais nos
oferecer pérolas de encanto, reflexão e sentimento como Um Dia Muito Especial (o meu preferido), Feios, Sujos e Malvados
ou Nós que nos Amávamos Tanto. Nem todos, afinal, são Manoel de
Oliveira, que aos 105 anos filma com ímpeto de iniciante. O tempo um dia se
torna um fardo. É impossível continuar e aos poucos nós, que nascemos no século
20, vamos ficando órfãos dos nossos ídolos. Tenho pensado nisso ultimamente, agora
que estou lendo Conversas com Woody Allen, reunião de entrevistas com o
cineasta feitas por Eric Lax ao longo de mais de 30 anos.
Allen tem 78 anos. Seu tempo pode estar acabando, o que é
uma lástima. Não gostaria de abandonar o hábito de assistir aos filmes que ele
lança a cada ano, mesmo que não sejam mais as obras-primas do passado. O que
importa é ele continuar sendo uma referência moral e cultural da qual não podemos
prescindir. Como Luis Fernando Verissimo, que aos 76 anos foi internado uns
meses atrás com uma infecção grave e me deixou morrendo de medo de perdê-lo. Outros
vão sendo abatidos em pleno vôo outonal. É o caso de García Márquez, cuja centelha
se extingue inevitavelmente, como a Macondo de Cem Anos de Solidão. A
possibilidade da perda de pessoas luminosas, como as citadas acima, é
particularmente dolorosa no meu caso, já que a maioria dos mestres que admiro –
seja na música, no cinema ou na literatura – não habita mais o mundo.
Enfeitam meu gabinete pôsteres de John Coltrane, Miles Davis,
Ernest Hemingway, Scott Fitzgerald, Jack Kerouac, Charles Bukowski, García
Márquez e Philip Roth, além de uma ilustração do cartaz de A Doce Vida, de Federico
Fellini, com Marcello Mastroianni. Todos mortos, com exceção do senil Gabo e de
Roth, recém-aposentado aos 79 anos. Nas estantes, outros mortos ilustres. Não
posso me dar ao luxo, por exemplo, de esperar pelo novo romance de Somerset
Maugham ou pelo novo álbum de Thelonious Monk. É claro que esse culto aos que
já foram revela também a passagem do tempo para mim mesmo. Estou profundamente
atrelado ao século ao qual pertenço, daí ansiar tanto pela permanência dos que
ainda estão aqui e que também pertencem a esse século. Vivam, é o que peço.
Vivam muito, se possível mantendo a mente inquieta, a espinha ereta e o coração
tranquilo.