Ao ver Mario Vargas Llosa falar com entusiasmo, no Programa Roda Viva, dos anos que viveu em Paris e Londres, eu percebi o quanto cheguei tarde ao mundo. É um sentimento que carrego há muito tempo, e que deixa entrever uma incômoda tendência à nostalgia, ao não-vivido, ao que convulsionou o mundo antes que eu pesasse sobre ele. A Paris e a Londres do escritor peruano não são as que conheci no início deste ano. Segundo ele, não existem mais a efervescência cultural e política que culminou nos protestos de Maio 68, a hegemonia dos grandes pensadores, a sensação de estar na capital do mundo. Vargas Llosa lembra, com um gostoso sorriso de desilusão, que as pessoas acreditavam em Sartre, liam Sartre e reverenciavam Sartre como se fosse um demiurgo visionário.
Hoje, a
maioria das pessoas nem mesmo se pergunta: quem foi Sartre? E, ao me debruçar como
faço agora sobre As Palavras, seu belo e sarcástico livro de memórias, acabo me
sentindo como um soldado que se atrasou para a batalha e, quando chegou,
encontrou apenas terra arrasada e corpos empilhados. Essa involuntária sensação
de que sou um filho temporão de outra era faz um certo sentido. Afinal, onde
foi parar o ideal socialista que Sartre tanto glorificou, mesmo sabendo das
atrocidades cometidas por Stálin e sua turma vermelha? Onde foram parar a
relevância das idéias, o poder de fogo dos grandes romances, as discussões
inflamadas regadas a vinho ou cerveja? Sartre é extemporâneo, como eu sou (as
comparações param por aí). A argamassa que deu forma ao século em que nascemos
foi implodida para dar lugar a uma nova ordem mundial da barbárie. Substituímos
as tempestades de fogo da Segunda Guerra pelos aviões lançados contra prédios.
A batalha encarniçada e suja nas trincheiras pelo asséptico jogo de videogame
que só causa dor aos que recebem as bombas.
Vargas
Llosa diz que hoje a efervescência dos velhos tempos talvez possa ser
encontrada em Berlim, para onde confluem milhares de jovens em busca de
cosmopolitismo. Mais uma vez, percebo que cheguei tarde. Não sou mais jovem, ou
pelo menos não sou mais suficientemente jovem para me hospedar em hostels e me
integrar com gente do mundo todo, participar de passeatas por causas nobres,
namorar uma menina do Nepal ou, sei lá, fumar haxixe com um pessoal da Nova
Zelândia. Não sou mais mochileiro, nem leio mais Kerouac. Sou um recluso, um
ermitão enclausurado na minha modesta torre de papel. Não é ruim, ressalto. Gosto
dos vinhos na varanda, da leitura descompromissada, da companhia de minha
família. Mas sinto falta de um pouco de passado. Das tertúlias em francês de
que não participei, dos pensadores que não segui, das causas em que não me
engajei. Enfim, sinto falta de crer em utopias, em vez de me lambuzar de
silêncio e incompreensão.