sexta-feira, 27 de dezembro de 2013


“Todo esse terremoto nos deixou mancos, incompletos, parcialmente vazios, insones. Nunca mais seremos o que éramos antes. Melhores ou piores, cada um saberá. Por dentro, e às vezes por fora, uma tormenta passou sobre nós, um vendaval, e essa calma de agora tem árvores caídas, telhados desmoronados, terraços sem antenas, escombros, muitos escombros. Temos que nos reconstruir, é claro: plantar novas árvores, mas talvez não haja nos hortos as mesmas mudas, as mesmas sementes. Erguer novas casas, fantástico, mas será melhor que o arquiteto se limite a reproduzir fielmente o projeto anterior ou será infinitamente melhor que repense o problema e desenhe um novo projeto, que contemple as nossas necessidades atuais? Remover os escombros, dentro do possível, pois também haverá escombros que ninguém poderá remover do coração e da memória.”

Mario Benedetti, em Primavera num Espelho Partido.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

E assim se passaram cinco anos





Muitas coisas aconteceram desde o dia 4 de dezembro de 2008, quando publiquei o primeiro texto neste blog. Enquanto o Brasil e o mundo passaram por reviravoltas, guerras e tragédias, entremeadas por pequenos lapsos de esperança, o tempo me deixou com mais cabelos brancos e mais questionamentos sem respostas. Afinal, amadurecer é também se desfazer de certezas. Dos 38 aos 43 anos, algumas convicções se evaporaram, outras se sedimentaram e a vida prosseguiu. O que penso dela está aqui, nesses quase 300 textos. Me arrependo de alguns, discordo de outros, mas tenho carinho pela maioria, incluindo aí citações de alguns autores lidos nesse período.

O blog foi também, e talvez isso tenha sido o mais importante, um espaço no qual pude dividir impressões com as pessoas mais variadas, algumas das quais não conheço pessoalmente, que se tornaram amigas, ainda que virtuais. Gente que comenta, compartilha, elogia, discorda, aponta caminhos alternativos ou apenas lê em silêncio. Gente que de uma forma ou de outra se tornou bastante presente no meu cotidiano.

Este Lado do Paraíso não é muito lido. São pouco mais de 28 mil visualizações e 944 comentários desde o seu nascimento, e nos últimos tempos a frequência de textos publicados diminuiu bastante. Senti que me repetia, que minhas obsessões estavam se tornando um leitmotiv lento e enfadonho a aborrecer meus poucos e fiéis leitores. Mas o que fazer? É através dessa forma repetitiva que consigo expressar minhas inquietações para mim mesmo, deixando ainda um legado intelectual para que um dia minha filha os leia (já lê alguns, de vez em quando) e me conheça ainda melhor.

Vou continuar, é claro. É o meu espaço, minha pequena trincheira, meu armarinho de miudezas existenciais. Quem sabe mais cinco anos. Ou dez, ou vinte ou apenas um. Abrirei um vinho daqui a pouco para comemorar esse aniversário silencioso. E faço, desde já, um brinde especial a vocês que me aturam. Obrigado pela companhia e cumplicidade.

domingo, 1 de dezembro de 2013

"Talvez a consequência mais desalentadora da minha doença atual - mais deprimente que suas manifestações práticas diárias - é a consciência de que nunca mais andarei de trem. Esta certeza pesa sobre mim como um cobertor de chumbo, que me pressiona cada vez mais para dentro da noção sombria de um final que marca a verdadeira doença terminal: a compreensão de que certas coisas nunca mais acontecerão. Esta ausência é maior do que a mera perda do prazer, a privação da liberdade, a exclusão das novas experiências. Recordando Rilke, ela constitui a perda de mim mesmo, ou, pelo menos, a perda da melhor parte de mim capaz de rapidamente encontrar contentamento e paz. Waterloo nunca mais, paradas no interior nunca mais, solidão nunca mais: não mais tornar-se, só o interminável ser."

Tony Judt, em O Chalé da Memória