Em uma das cenas finais de Cinema Paradiso, que revi recentemente ao lado de minha filha, o personagem principal, Totó, retorna à cidadezinha natal na Sicília depois de 30 anos. Está lá para o enterro de um velho amigo, o projecionista Alfredo, que inoculou nele o amor pelo cinema. É um reencontro comovente com um passado no qual Totó foi muito feliz, mas que julgava sepultado. Após rever as filmagens antigas de um grande amor perdido, ele diz à mãe: “Sempre tive medo de voltar. Agora, após tantos anos, achei que estava mais forte, que tinha esquecido muita coisa. No entanto, está tudo diante de mim, como se eu tivesse ficado sempre aqui”. Enquanto minhas lágrimas escorriam, em meio aos beijos proibidos que se sucediam ao final da pequena obra-prima de Giuseppe Tornatore, me dei conta da capacidade que a memória tem de conservar a nossa essência, mesmo com a erosão causada pelas dores e intempéries de décadas etéreas e fugidias.
Assistir novamente a Cinema Paradiso depois de tanto tempo fez o meu próprio passado emergir, como se visitasse a casa onde morei na infância ou viajasse num Fusca para a cidadezinha onde minha mãe nasceu. Lembrei de momentos bons com meus pais e irmãos, do início complicado da adolescência, das primeiras namoradas (onde estarão?) e dos amigos que até hoje estão firmes e fortes ao meu lado. Lembrei das minhas aspirações literárias, dos poemas insossos que considerava sublimes, dos escritores, músicos e cineastas que contribuíram para a minha formação. Enfim, fui invadido por essa massa espessa da qual somos feitos e que nos impulsiona, junto com nossos sonhos cada vez mais escassos, rumo ao epílogo. Vinte, trinta, quarenta anos são na verdade pouco mais do que horas, e de tempos em tempos, quando acionamos algum gatilho na memória, eles voltam a nos assombrar.
É mais ou menos o que imagina o velho Eguchi em A Casa das Belas Adormecidas, de Yasunari Kawabata, que estou lendo agora: “Pensando melhor sobre o assunto, mesmo que se falasse de passado muito distante, talvez, no ser humano, memória e reminiscências não pudessem ser definidas como próximas ou distantes unicamente por ser sua data antiga ou recente. Pode acontecer que, mais do que o dia de ontem, os acontecimentos da infância, sessenta anos atrás, tenham ficado guardados na memória e fossem recordados de uma forma mais nítida e mais viva. Isso não acontece com mais frequência na velhice? Além disso, não haveria casos em que os acontecimentos da infância contribuiriam para formar o caráter e dar direcionamento à vida de uma pessoa?".
Outro dia, uma amiga escreveu sobre o sentimento de inadequação que teve ao assistir recentemente a um show da Blitz, banda que fez um sucesso avassalador no início dos anos 80, mas que hoje sobrevive do saudosismo que esse período ainda provoca em muita gente. Ela não se reconhecia no plateia ao redor, formada em sua maioria por pessoas com mais de 40 anos. E concluiu: “O tempo passa, mas você não passa junto com ele. O seu corpo já tem 45 anos, mas você tem certeza que ainda não passou dos 30. Não é nenhum tipo de síndrome, nem é nenhuma não-aceitação da idade. É só uma sensação ruim de não estar em ‘casa’. Deu vontade de sair correndo dali, entrar no Circo Relâmpago e abraçar minha gente”. Como ela, eu também estava lá no Circo Relâmpago. Um garoto de 14 anos, que andava tranquilo pelas ruas da Pituba e idolatrava aquela gente bronzeada mostrando seu valor nos palcos, como hoje minha filha idolatra Demi Lovato ou os rapazes de um tal One Direction.