quarta-feira, 8 de abril de 2015

Variações em torno de uma taça



Amo os vinhos com um ardor silencioso. Amo as cores, o sabor, os aromas que evocam tempos remotos, como a imagem de meu pai bebendo seus vinhos portugueses baratos em canecas simples, enquanto assistia à tevê. Amo meu ritual particular de escolhê-los, comprá-los, guardá-los e por fim bebê-los, de preferência ao lado das mulheres que amo ou de amigos que admiro.

Daí me entristecer com o esnobismo que rodeia esse universo, sobretudo nas altas rodas, nos meios abarrotados de gente com dinheiro de mais e sabedoria de menos; a falsa reverência com que os vendedores me tratam quando retiro uma garrafa mais cara da prateleira, mesmo que não vá levá-la (e quase sempre não levo); as bobagens que leio quando quero saber mais sobre um vinho.

Por mais pernóstica que possa soar essa afirmação, me aproximo dos franceses na forma como encaram o vinho, com sua simplicidade espartana. Filmes como Amor, de Michael Haneke, e Azul é a Cor Mais Quente, de Abdellatif Kechiche, mostram a relação dos franceses com o vinho. Uma relação de cumplicidade silenciosa, prosaica como beber um copo de água. O vinho é aquilo: um companheiro da refeição e de eventuais conversas que nascem desse momento.

Ouço Henri Salvador cantar Dans Mon Ile enquanto termino de beber um ótimo tinto do Douro, que acompanhou um delicioso ensopado de carne com macarrão. Prato que me fez lembrar de um boef bourguignon simples e gostoso que comi um dia no Quartier Latin. Não esqueço dessa tarde, do vinho simples que bebemos em um copo também simples, da sisudez do proprietário, um homem velho e calado, que nos serviu com frieza, mas de forma impecável, e no final me deu uma dica preciosa, me indicando como chegar à livraria Shakespeare & Co, que tanto havia procurado sem sucesso pelas ruelas do bairro.

Amo os vinhos com um ardor silencioso. De quem sabe da passagem do tempo, e de como ela age sobre nossos corpos frágeis e profundamente vulneráveis. Amo os vinhos porque eles alimentam minha alma, muitas vezes tão maltratada, outras tão exausta. E por saber que um dia a taça vai permanecer vazia, sem alguém para enchê-la.