quinta-feira, 31 de março de 2016

Aventura sensorial


Voltar a Hemingway é como voltar a um lugar onde fomos muito felizes. Conhecemos cada palmo do terreno: os diálogos soam familiares, aconchegantes, a narrativa provoca um prazer mais sensorial do que intelectual. É como se estivéssemos ali ao lado dos personagens, acompanhando seus conflitos silenciosos, seus ditos por não ditos, seus imensos icebergs submersos. 
Do Outro do Lado do Rio, Entre as Árvores não é um dos melhores livros do Papa, e sofreu muitas críticas quando foi lançado. Azar dos críticos. Reler as suas páginas é ainda mais prazeroso do que desbravá-las pela primeira vez. Saboreando os pratos suculentos, as bebidas que confortam os corações machucados, as paisagens arrebatadoras, hoje mais próximas de nós por conta da maturidade. 
Creio que devemos nos conceder esse tipo de prazer de vez em quando: voltar a certos livros como se volta a certas cidades.

"Meu pai e minha mãe viveram sob uma guerra. Meu avô e minha avó também. E também meu bisavô e minha bisavó. E assim por diante. Mas eu não. Sempre se diz que o esporte europeu por excelência é o futebol, mas isso é mentira. O esporte europeu por excelência é a guerra. Durante mil anos, na Europa, não fizemos outra coisa além de matar uns aos outros. E aí chego eu, e sou o primeiro, a primeira geração de europeus que não vive sob guerra. Não consigo acreditar. Há quem diga que tudo isso já passou, que uma guerra é agora impossível de acontecer entre nós, mas eu não acredito nisso... Veja este lugar aqui... eram pessoas como você e eu, morrendo aos milhares, feito cães, da forma mais asquerosa e mais indigna possível."

Javier Cercas, em O Impostor.