Há muitos aspectos positivos em poder escrever num caderno de cultura. A possibilidade de expor idéias, conceitos e obsessões. A troca de experiências e impressões com os colegas de redação. A oportunidade de conhecer pessoas extremamente sensíveis e talentosas no mundo das artes. A maciça quantidade de informação que absorvemos. Mas de uma coisa não sinto a menor saudade: a busca incessante e a qualquer custo por tudo que acaba de ser gravado, escrito ou lançado. Durante muito tempo, os livros que comprei ao longo de décadas ficaram esperando nas prateleiras a sua vez, enquanto me dedicava à leitura apressada de lançamentos. Com música era ainda pior, já que nos últimos tempos só queria me embrenhar no mundo do jazz, e às vezes precisava ouvir discos chatíssimos de artistas idem. No cinema nem se fala: filmes insípidos, assistidos após uma rotina exaustiva de trabalho duplo.
Descobri, enfim, que detesto me pautar pelo novo. Recentemente, os jornais e revistas de cultura dedicaram um espaço enorme ao mais recente disco de Caetano Veloso. Nada contra essa postura editorial, até porque a obra e a figura de Caetano a justificam. Mas não senti a menor vontade de conhecer esse disco. Do trabalho anterior do compositor tinha ouvido uma ou duas músicas – uma delas, que falava da inveja dos orgasmos múltiplos das mulheres, me pareceu uma bobagem sem tamanho – e deste último li só a letra – patética – de uma tal Base de Guantánamo. Mas o problema aí não é (se bem que até pode ser) de Caetano, e sim da minha ausência de vontade em conferir tudo que aparece nas lojas de discos, telas e livrarias. Por que trocaria uma obra-prima como Kind of Blue, com suas cinco décadas de vida, ou os discos de música africana que adoro descobrir na internet, para ouvir o novo trabalho de Caetano? Ou do U2? Ou de Zeca Pagodinho?
Até hoje, quase dois anos depois de ter optado por deixar a redação, não consegui recuperar o hábito de ir ao cinema, após tanto tempo freqüentando compulsoriamente as salas três ou quatro vezes por semana – e por outro lado me sentindo na obrigação de preencher em DVD as lacunas de filmes clássicos de diretores geniais que nunca tinha visto. Ufa. Agora vejo o que quero quando quero, e muitas vezes tudo de que preciso é assistir pela vigésima vez à reprise de algum filme que adoro. Hoje mais cedo li no blog de um amigo e ex-colega de faculdade (verbotransitivo.blogspot.com) uma frase de Nick Hornby que versa mais ou menos sobre esse tema, embora não exatamente sobre a imprescindibilidade do novo: “Chega um momento da vida, pelo menos é o que eu acho, em que o sujeito tem de decidir se é um literato ou simplesmente alguém que gosta de ler, e eu estou começando a perceber que os amantes da leitura se divertem mais. O literato tem que ler coisas como ‘Cândido’, caso contrário ficará defasado; amantes da leitura, por outro lado, podem ler aquilo de que estão afim.”
Nem sou fã de Hornby (só li dele o Febre de Bola, que é interessante), mas considero essa frase exemplar. Cada vez menos sinto necessidade ou me sinto na obrigação de ler, ver ou ouvir certas coisas tidas como “obrigatórias”. Pode ser uma espécie de inação, mas creio que a descoberta deve ser intuitiva: a maturidade e o conhecimento adquirido levam naturalmente às grandes obras no momento certo. Já falei aqui mesmo no blog que certos livros e discos não me disseram nada quando os conheci pela primeira vez. Foi preciso um tempo de maturação para que pudesse compreender o verdadeiro significado deles. Por isso, provavelmente nunca terei a oportunidade de desbravar obras que certamente mudariam minha maneira de pensar o mundo. Paciência. Não vou abandonar o ócio, os prazeres etílicos e gastronômicos ou o divertimento puro e simples, como tomar banho de mar, brincar com minha filha ou fumar um charuto, para me tornar um intelectual. Afinal, a vida não pode prescindir de um pouco de ignorância.