sábado, 17 de setembro de 2011

Nossa grande geração perdida



Outro dia, Adriano Silva escreveu no blog Manual de Ingenuidades um texto muito interessante sobre o legado – ou a ausência de – que a nossa geração (os milhões de brasileiros nascidos entre 1965 e 1975) vai deixar para o futuro. Nele, o jornalista faz uma comparação entre os quarentões de hoje e os da geração anterior à nossa, e sua constatação é impiedosa: “Nós não estamos deixando marca alguma na música, nas artes, na cultura. Somos uma geração pequena. Ínfima em termos de manifestações que captam, marcam e traduzem o espírito de um tempo e que fazem a história. E que não está deixando nenhuma herança, nenhuma contribuição anímica relevante para a próxima geração. Não implantamos nenhum paradigma para ser superado por eles. Nós não fizemos nenhuma revolução, não trouxemos nenhuma voz nova ao microfone. Somos uma geração conservadora, de manutenção – e não uma geração renovadora, de ruptura”.

Lembrei do texto de Adriano ao assistir, na noite de anteontem, ao documentário Uma Noite em 67, que rememora o 3o Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, ocorrido em 21 de outubro daquele ano. O filme de Renato Terra e Ricardo Calil mescla imagens de arquivo com depoimentos atuais dos principais protagonistas do festival. E através dele vemos uma geração vitoriosa. Recém-saídos da adolescência, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Roberto Carlos e Edu Lobo começavam ali a consolidar seu nome na história da cultura nacional. Havia muito talento reunido, mas havia também a percepção de que eles não seriam apenas um hiato entre uma geração e outra. Seriam A geração.

Todos os artistas que citei acima são hoje sessentões. Há pelo menos 40 anos têm uma carreira solidificada e fazem parte, merecidamente, do cânone da música popular brasileira. Eles chegaram lá. E, como Adriano Silva em seu texto, eu também pergunto: e nós, onde chegamos? Há, é claro, artistas respeitados no país com idade entre 35 e 45 anos. Gente boa, talentosa e batalhadora na música, na literatura, no cinema, no teatro. Mas que, quando reunida, não dá voz a uma geração. Nosso principal legado é a invisibilidade. Somos culturalmente desimportantes.

Eu mesmo acreditava, aos 20 anos, que possuía um talento particular. Via em mim um pequeno gênio incompreendido, capaz de escrever poemas cheios de som e fúria e romances que mudariam o curso das letras mundiais. Mas basta uma rápida folheada na papelada amarelada que escrevi nesse período para perceber que os poemas não foram escritos por algum Rimbaud tropical nascido nos estertores do século 20. Nem os arremedos de romances cheios de diálogos pueris deixam entrever um novo Hemingway ou Fitzgerald. Não fui o único. Os amigos que fiz ao longo de décadas, muitos dos quais me pareciam talentosíssimos, também não vingaram. Hoje sobrevivem em empregos para os quais não parecem ter sido talhados e toda aquela centelha dá mostras de ter se apagado.

Mas por que não conseguimos? O que fez com que fracassássemos como arautos do fim de século? Acho que faltou, sobretudo, talento. Mas houve também alguma imaturidade, falta de senso de oportunidade e uma opressora dificuldade de lidar com as obrigações da vida moderna. No início dos anos 1990, não havia mais espaço para a porralouquice nem para o desbunde, muito menos para o engajamento nas questões sociais que foram marca registrada da geração anterior. Estou chutando, claro, e discordâncias serão bem-vindas. Apenas tateio as nossas vulnerabilidades para tentar entender o que deu errado. Mas, por outro lado, será que não estou sendo rigoroso demais, pegando pesado demais? Afinal, se ainda não fizemos não significa que não faremos. Como diria Renato Russo, é preciso acreditar na nossa grande geração perdida. Tenho 41 anos. O que me impede de começar agora, do zero, uma improvável carreira literária ou quem sabe até me lançar como um roqueiro temporão (não, a coluna não deixaria, muito menos o senso do ridículo). O negócio, enfim, é partir para cima, como um atacante veterano em busca do milésimo gol. Quem sabe a gente não consegue?

10 comentários:

Ricardo Ballarine disse...

Acho que tem um dado importante. A geração nascida nos anos 70 chega à adolescência no fim da ditadura. Não havia agenda política para ela. O pessoal dos 60 já havia lutado pela ditadura, a Folha e sua jovem geração de jornalistas já havia conquistado seu espaço. O que nós com 15, 16 anos poderíamos fazer? Houve um desbunde, uma ilusão que a liberdade poderia fazer qualquer coisa acontecer. Tempos depois, a gente percebe que faltou talento ou faltou dedicação. Restaram os sonhos, pueris, como você diz.
É um recorte apenas. O contexto é maior.

Paulo Sales disse...

Sim, é um recorte, direcionado apenas para a invisibilidade cultural da nossa geração. É muito cedo para encontrar as causas dessa invisibilidade e nesse texto eu tento apenas esboçá-las. Éramos, na juventude, rebeldes conservadores, sem causas próprias a defender, apenas rescaldos das décadas anteriores. A aids jogou ainda mais caretice à nossa vida. Mas o fato é que o tempo passou rápido demais, e muitos quarentões ainda não se deram conta disso (acredito que sou um deles).

Ricardo Ballarine disse...

É, e tem a aids ainda. Que começou junto com a gente, jovens de 16 anos... E eu me junto a esses que não viram o tempo passar.
(O recorte é uma referência ao meu comentário. Coloquei ali talvez um motivo da invisibilidade)

Paulo Sales disse...

Rapaz, são vários os motivos, e se a gente parar para pensar vai encontrar muitos outros. Nossa geração ainda não foi devidamente dissecada, fizeram apenas aqueles revivals superficiais dos anos 80 que não levam a nada.
p.s. - se ainda não viu, veja o filme. É muito legal.

Ricardo Ballarine disse...

Eu vi o documentário no cinema, no ano passado. Achei esquemático, tudo muito cronológico, mas a recuperação da memória é sensacional. Ainda mais porque foi um ano especial para o festival. Imagina, a chegada dos Mutantes, guitarras, enfim. Seu problema, na minha opinião, não compromete.

Paulo Sales disse...

Sim, é muito mais uma obra de conteúdo que de forma, o que nesse caso me parece até mais adequado. E as apresentações, todas na íntegra, são emocionantes.

ArmundoAlves disse...

Vi o documentário e gostei muito, apesar do conservadorismo quanto à forma. Já pensaram, Roberto Carlos contando piada e Sérgio Ricardo dizendo que não faria mais aquilo, afinal hoje ele toca piano ... É uma boa questão (não li o texto de Adriano Silva), que demandaria posts, comentários e algumas garrafas de vinho, a agenda política dos 60 e 70 ajudou, mas nos casos de Gil e Caetano, por exemplo, ela foi mais que nuançada, dialetizada. E o cinema, a literatura? Temos grana e recursos técnicos para fazer filmes, só que, pelo menos para o comentarista que vos fala, o resultado não parece bom. Na literatura, seria verdade o que já se disse por aí, que o nosso último grande romance foi o "Lavoura Arcaica", de, acho, 75? Bom, são apenas recortes, como bem disse o colega comentarista.

Paulo Sales disse...

Oi, Armundo
Acho até que há gente talentosa. Mas o que falta é, sei lá, talvez uma centelha de genialidade. Mas é assunto pra mais de metro, eu diria. E, como você disse, demandaria tempo, reflexão e, claro, umas garrafas de vinho.
Grande abraço.

Rosangela Aliberti disse...

Olá Paulo, gostei muito de seu texto, o pensamento voa ao navegar e é interessante quando o vê traduzido na "casa" de outrem... tomei a liberdade de levar p/ o meu espaço (s/ fins lucrativos, citando autoria e link este seu texto) ...postei algum dos trechos no Facebook (se houver algum problema basta avisar, que tudo irá continuar ZEN).

Segue um abraço, Rosangela

Paulo Sales disse...

Oi, Rosangela, obrigado pelo comentário.
Fique à vontade para reproduzir o texto da forma que achar melhor. Ideias são feitas para isso, para serem compartilhadas. Pode continuar zen.
Um abraço.