segunda-feira, 11 de junho de 2012

Carrascos?



Às vezes, caio de pára-quedas em rodas de conversas com pessoas mais ou menos conhecidas, para cumprir obrigações sociais. Nessas ocasiões (nas quais meu lado introspectivo sofre como um goleiro diante do pênalti), costumo ouvir coisas que provocam em mim uma aversão imediata. São frases do tipo "tem que matar mesmo" ou "por mim, bandido tem mais é que morrer". Essa aversão é fruto do meu caráter racional e humanista, cultivado ao longo de décadas, nas quais edifiquei meus próprios princípios. O problema é que esses princípios estão assentados em terreno movediço. Sujeitos, portanto, a abalos eventuais.

Afinal, como não pensar em rever nossos conceitos quando nos deparamos com episódios plenos de barbárie, como aquele envolvendo a mulher que matou e esquartejou o marido? Ou o pai que estuprou as filhas gêmeas de dois anos e matou uma delas? Ou, ainda, a quadrilha que enforcou um casal de trabalhadores para roubar 6 mil reais, no velho golpe da venda de um imóvel inexistente? O que merecem pessoas assim? Pergunto a mim mesmo, sem que a resposta adquira a convicção das frases que ouço nas tais rodas de conversa. Mas, por outro lado, também não me entusiasmo com minha própria convicção de que criminosos devem pagar de acordo com as leis frouxas do país.

Sou, filosoficamente, a favor da pena de morte. Mas, repito, filosoficamente. Em um país ideal, imune a ingredientes como miséria maciça, acesso fácil a armamentos, justiça suspeita e corrupção desenfreada. Num cenário como esse, o fato de alguém matar deliberadamente outro ser humano deveria ser passível de punição máxima, afinal, é uma vida que foi tirada, muitas vezes por motivos esdrúxulos. Um exemplo claro? Anders Behring Breivik, que assassinou 77 pessoas em uma das sociedades mais avançadas do mundo. Lá, ele teria (como está tendo) um julgamento justo e sem pressão popular exacerbada. O que ele merece? Para mim, sem sombra de dúvida, uma execução. Da mesma forma que Timothy McVeigh, outro maníaco de extrema direita, que explodiu um prédio em Oklahoma e recebeu em troca uma injeção letal nos Estados Unidos.

Mas... e quanto aos criminosos brasileiros que listei acima? A resposta, sincera e claudicante, é: não sei. Temo um estado de barbárie, onde a justiça comece a ser feita com base no clamor das ruas. Até porque a nossa sociedade permite, mesmo que de forma escamoteada, a execução sumária de milhares de pessoas a cada ano. Acima de tudo, desprezo o sentimento que vislumbro nas frases tipo "tem que morrer devagarzinho, sob tortura". A vingança é um estado de espírito alterado, constituído de um prazer sádico que não compreendo. Mas é um dilema de difícil solução, no qual nosso lado racional convive em permanente disputa com o que temos de mais primitivo: o sentimento de preservação da espécie. Quando alguém mata, sobretudo uma criança, está invadindo um território sagrado da humanidade, daí as reações tão instintivas. Dostoievski e Camus já trataram desse tema com muito mais propriedade e profundidade em Crime e Castigo e O Estrangeiro.

Enfim, não gosto de convicções sedimentadas, porque tendem a virar dogmas e adquirir a forma de preconceitos. É o caso dos paladinos do justiçamento, os carrascos midiáticos ou não que vêem no bandido apenas uma deturpação da espécie, uma aberração que deve ser extirpada da civilização. Uma visão simplista, preguiçosa e obtusa. Mas por que, em alguns momentos diante de um jornal ou de uma tela de tevê, nós nos pegamos pensando de um jeito parecido? O que atiça em nós o ódio irracional? O que nos faz bradar como bárbaros, pedindo a morte de tipos abjetos como o casal Nardoni ou o goleiro Bruno? Talvez seja pelo fato de que a existência, assim, como a vida em sociedade, não é algo homogêneo, sem meios-tons, com lados bem definidos. Compartilho aqui essas dúvidas justamente por isso. Porque meus princípios também possuem seus meios-tons, sua ética própria, que avança e retrocede ao sabor da maré.

2 comentários:

Claudina Ramirez disse...

Menino!
O pouco tempo que passei brincando de advogada me deu a plena convicção de que neste país passará algum tempo até que se consiga chegar perto da justiça. Me bati com ela algumas vezes, pouquíssimas dentro dos fóruns. Tive a infelicidade de assistir a audiencia de um velhinho acusado de abuso sexual da filha que foi solto após a declaração da vizinha de que tudo não tinha passado de uma armação de outra vizinha apaixonada-rejeitada pelo velho, que saiu da sala de audiencia totalmente alienado, com um dano psicológico que não sei se teve cura.
E fiz um atendimento com uma família cujo filho teve um surto psicótico e eles, horrorizados, me contaram que a maioria dos pacientes da emergencia do hospital psquiatrico eram policias. Não 1 ou 2, uns 8.
E ainda me assusto com meus conhecidos advogados e juízes com delírios de grandeza...
Num sei nao... num país em que a psicologia é mantida tão afastada do sistema de segurança, acho difícil poder dormir sabendo que há pessoas condenadas a pena de morte...

Paulo Sales disse...

É o que eu penso, Antonia. O Brasil, por todas as razões que citei no texto e mais estas que você acaba de citar, não tem a menor condição de instituir a pena de morte. Esse é um assunto sobre o qual tenho muito mais dúvidas do que certezas. Um tema difícil, árido e sobretudo cercado de manifestações irracionais.
Um beijo, querida. E vamos em frente.