segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Cócegas no infinito




Leio sobre a teoria do multiverso na coluna do físico e astrônomo Marcelo Gleiser na Folha de S.Paulo. Segundo ela, o universo que nós (mal) conhecemos seria apenas “um entre uma multidão de outros universos, todos parte de um multiverso que pode ter existido por toda a eternidade”. Gosto dos textos de Gleiser porque ele explica com clareza o que está à beira da nossa incompreensão. Como imaginar algo ainda maior e mais intangível do que o nosso universo? Como pensar em bolhas gigantescas convivendo em espaços-tempos diferentes e estanques desde sempre, sem começo, meio ou fim? Que seres existiriam nesses outros universos? Como eles seriam? Haveria algum tipo de inteligência superior? Ou apenas microrganismos unicelulares, como fomos um dia?

Enfim, nossa incompreensão é avassaladora. Uma avalanche de questionamentos nos leva à mais completa ignorância do que somos feitos, de onde viemos, para onde vamos e por que afinal estamos aqui. Em A Árvore da Vida,Terrence Malick trata dessa incompreensão absoluta diante da imensidão em que estamos imersos. Como encontrar respostas para a perda de quem amamos, se essa perda é só um farelo no curso da existência do universo? Se o próprio curso do planeta Terra é, também ele, só um farelo, uma centelha quase invisível? Nossa insignificância é assombrosa. Lançamos nossas preces ao céu em busca de um sinal, uma lógica, algo em que possamos nos agarrar antes de naufragar de vez na inconsciência.

Por outro lado, o quase nada que temos é crucial para que continuemos vivos. Enquanto o universo segue indiferente o seu caminho, tendo ou não a companhia de universos paralelos, nós prosseguimos como nômades por um cotidiano de perdas, frustrações, tédio, medo, cansaço e sofrimento, mas também de carinho, compaixão, amor, alguma esperança e momentos fugazes de alegria genuína. Como escreveu Christopher Hitchens em seu último livro, “Eu não tenho um corpo, eu sou um corpo”. Enfim, um mistério ainda maior e mais angustiante que o do multiverso. A carapaça que nos abriga é também tudo o que somos, em toda a nossa incompletude e finitude.

A vida é o que nos resta, portanto, já que a alternativa a ela não é nem um pouco atraente. Viver é bom, vale a pena, embora por vezes nos desencantemos com uma realidade tão brutal. Enquanto me deixo fascinar pela possibilidade do multiverso, o mundo banal e irrelevante que habito se projeta sobre mim com todo o seu tenebroso esplendor. Um mundo feito de atentados a bomba motivados por pretextos fúteis, execuções gratuitas de adolescentes pobres, corrupção desenfreada e índices alarmantes da mais pura miséria humana. E o que é pior: tudo isso é apenas farelo. Apenas uma cócega ligeira na sola do pé do infinito.

2 comentários:

ArmundoAlves disse...

Gleiser é um bom divulgador de ciência. Certamente, como todos nós, imagino, tem em Carl Sagan o seu ídolo. Os dois têm o talento de esclarecer, despertar interesse por coisas da ciência ou de nos fazer ser tocado pelo fascínio do incompreensível.

O multiverso, os universos paralelos, entre tantos mistérios da ciência, fazem-nos rever a frase de Ruy Barbosa: "se eu soubesse a metade do que eu não sei, eu seria um sábio". Se nós soubéssemos um décimo (milésimo?) do que não sabemos ...

Paulo Sales disse...

Oi, Armundo
Também gostava muito de Carl Sagan, das colunas que escrevia e que eram publicadas no Estadáo.
A ciência me fascina desde criança, essa busca pelo que não sabemos e pelo que a nossa geração nunca vai conhecer.
Um abraço.