Às vezes, quando é alta a madrugada e me sinto só, eu penso comigo
mesmo: como seria bom se a realidade pudesse entrar em suspensão. Seria só um
breve hiato, desses que acontecem de um jeito quase prosaico nos contos de
Borges. Capaz de me transportar para o reino do fantástico e me trazer de
volta, ainda que por algumas horas, quem perdi um dia. Uma noite seria o
bastante, apenas uma noite. Deixaria a varanda para ir à cozinha pegar água e
quando voltasse me depararia com meu pai sentado na cadeira, me esperando. Não ficaria
atônito ou assustado, muito menos me desesperaria com o fato de que o meu
ateísmo, naquele momento, se reduziria ao pó do qual viemos e ao qual
voltaremos. Ali, na mesma varanda da minha casa, onde costumo ficar até a madrugada,
ouvindo música e bebendo vagarosamente a última taça de vinho.
Sentaria ao lado de meu pai e conversaríamos sobre as coisas que aconteceram nesses quase infinitos dez anos que nos separam. Iniciaríamos com as platitudes: diria que estamos todos bem, que sentimos a sua falta e que vamos levando a vida como se deve. Depois relataria de memória alguns episódios que aconteceram de 2003 para cá. Lembraria, provavelmente, do tsunami que matou 250 mil pessoas na Ásia, no natal de 2004, e da morte de Paul Newman, que ele tanto admirava, em 2008. E é claro que lhe contaria sobre o heróico campeonato brasileiro conquistado pelo Mengão em 2009, comandado por Petkovic e Adriano (tenho certeza de que ele diria com alguma incredulidade: “Foi mesmo?”).
Sentaria ao lado de meu pai e conversaríamos sobre as coisas que aconteceram nesses quase infinitos dez anos que nos separam. Iniciaríamos com as platitudes: diria que estamos todos bem, que sentimos a sua falta e que vamos levando a vida como se deve. Depois relataria de memória alguns episódios que aconteceram de 2003 para cá. Lembraria, provavelmente, do tsunami que matou 250 mil pessoas na Ásia, no natal de 2004, e da morte de Paul Newman, que ele tanto admirava, em 2008. E é claro que lhe contaria sobre o heróico campeonato brasileiro conquistado pelo Mengão em 2009, comandado por Petkovic e Adriano (tenho certeza de que ele diria com alguma incredulidade: “Foi mesmo?”).
Diria mais. Comentaria sobre os livros que li, os filmes que
assisti, os países que conheci. Confessaria que lembrei muito dele quando estive no
Chile. Ou em Paris. Ou em qualquer outro canto onde sentei para beber um vinho
olhando ao redor, absorto em mim mesmo, como ele costumava fazer. Mostraria fotos
de minha filha e o levaria até o quarto dela, para que ele a visse dormindo.
Imagino o seu espanto ao se dar conta de como ela cresceu. Diria ainda que ele
ganhou mais uma neta, loirinha e de olhos azuis, e em seguida abriria o
melhor vinho da adega para que pudéssemos relembrar melhor os 33 anos de
interseção entre a vida dele e a minha vida.
Mas, principalmente, ficaríamos vários minutos imersos em um
silêncio cúmplice, como já ficamos muitas e muitas e muitas noites, bebendo ou
fumando. Um silêncio morno e sereno, que me enchia de uma sensação aconchegante
e que até hoje me enche de saudade. Não procuraria saber dele o que é o além ou
o infinito, nem buscaria a resposta para o inútil questionamento que fazemos
há 10 mil anos ou mais: para onde vamos? E pouco me importaria com a chegada da
aurora, mesmo sabendo que com ela a realidade – clara, quente e violenta como
um bombardeio aéreo – expulsaria da varanda essa frágil lacuna de fantasia.
Garrafa vazia, sono chegando, nos despediríamos enfim com um abraço e ele
sairia pela porta, como saiu tantas outras vezes, com a diferença de que sempre
voltava.