Outro dia me deparei com imagens
fascinantes. Eram fotos de integrantes das tribos Surma e Mursi, que vivem ao
Sul da Etiópia e mantêm costumes semelhantes aos da pré-história. Eles correm
risco de extinção. Ou pior: de aculturação, fruto do contato cada vez mais
frequente com a civilização como a conhecemos. Ao observar a maneira singela
com que se adornam e se embelezam, utilizando materiais retirados da natureza,
penso comigo: desgraçada é a civilização – a nossa, branca, ocidental, fruto
das revoluções industrial e tecnológica – que permite o fim de uma cultura tão
poderosa. Encaro aqueles rostos e eles me devolvem um mundo, encerram uma
complexidade inacessível. E me pergunto: por que sociedades avançadas não são
capazes de preservar sociedades ancestrais? Talvez porque não sejamos, na
essência, avançados. Matamos incas, astecas, maias, aborígenes e ianomamis e o
que ganhamos com isso?
Não estou, aqui, fazendo a defesa de
um paraíso idílico não corrompido. Afinal, algumas dessas sociedades guardam
costumes terríveis. Apenas defendo inutilmente que a Terra deva comportar a
permanência de culturas aparentemente primitivas sem a interferência das
sociedades ditas evoluídas. Um pensamento que não é meu, mas que reproduzo de uma
grande amiga dos tempos de São Paulo, antropóloga brilhante, quando lhe
perguntei qual seria o caminho viável para as tribos africanas. Na época, eu
defendia a integração entre os povos. Hoje, não tenho dúvida de que ela está
certa. De que a interferência das potências ocidentais, primeiro na era das
colonizações, depois no período pós-ONU, é responsável pelo colapso de um mundo
que vivia em certa harmonia. Ou alguém acredita que a vida das tribos Surma e
Mursi, em seu coletivismo primário, é pior do que a das populações urbanas
miseráveis de países como Serra Leoa, Libéria ou Sudão?
De tudo isso, o que mais me
entristece é perceber como o mundo é vasto, rico e diferente. E que não
conhecerei (não conheceremos) nem uma décima parte dele. Essas imagens que me
fascinaram, assim como alguns registros que Sebastião Salgado fez dos confins
do globo, escancaram o nosso desconhecimento, a nossa ignorância. Temo pela
extinção, nas próximas décadas, de milhares de idiomas, etnias, costumes e
culturas. É um genocídio silencioso, sem protestos nas ruas ou desaprovação das
comunidades internacionais. Apenas o grito mudo e inútil de um admirável mundo
velho que se despede.
4 comentários:
Por que as raças não sabem conviver com as diferenças? Seu texto me fez lembrar as loucuras cometidas em nosso continente, Diante de um processo de ocupação e exploração, as coisas foram tremendamente bárbaras por essas bandas. No Brasil, os europeus dizimaram diversas tribos que ocupavam terras americanas. A invasão européia era por interesse econômico, fruto das grandes navegações, no primeiro sinal de globalização que se tem notícias. Mas os índios não eram e nunca foram santos. As tribos faziam guerra o tempo todo. Os motivos eram outros, porém a crueldade era de causar espanto. Loucura similar aconteceu e acontece no continente africano. Enfim, amigo, a raça humana - seja ela branca, amarela ou preta - não é flor que se cheire.
Sim, meu velho, às vezes penso como Saramago, que disse, se não me engano, que a raça humana é uma aventura fracassada. E a experiência de colonização foi um etnocídio vergonhoso. Mas confesso que meu lado misantropo ficou meio de escanteio ao ver essas fotos. Há algo de ancestral nelas, como se viessem diretamente do princípio do mundo. Me comoveram muito.
Grande abraço.
O título do post é perfeito. Faz lembrar o episódio dos moradores da 'reserva' em Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. A falta de capacidade de conviver com as diferenças é crônica nos seres humanos e vai da intolerância no seio da família e o meio dos amigos próximos e culmina os massacres por motivação econômica/religiosa/étnica. Mas os assassinatos são os mesmos.
Sim, a vida em sociedade - e entre diferentes sociedades - é uma batalha perene, daí uma certa misantropia acabar sendo necessária. Por outro lado, o mundo é fascinante, e como eu disse no texto, é uma pena que jamais conheceremos uma décima parte dele.
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