sábado, 14 de março de 2009

Vamos dividir a conta


Não gosto de Tropa de Elite. Acho deplorável aquela glorificação da violência, a abordagem intelectualmente rasteira, a apologia da vingança como método de trabalho, o discurso fascista e condescendente com a truculência policial, personificada na figura do Capitão Nascimento, personagem abominável, que ganhou popularidade entre as classes populares por seus bordões (“Pede pra sair, 02”, “O senhor é um fanfarrão” e “Bota na conta do Papa”). Mas reconheço que o filme se embrenha de forma corajosa numa questão essencial para se compreender a epidemia de caos que infesta as grandes cidades brasileiras: o farto consumo de cocaína entre as classes abastadas e bem informadas, que são a ponta final de um negócio iniciado nos campos da Colômbia e Bolívia. Pode-se recorrer a vários argumentos (o mais válido e louvável é o de que viciados precisam de tratamento médico, e não de cadeia), mas está cada vez mais claro que, como receptadoras de um produto ilícito, essas pessoas contribuem decisivamente para a perpetuação de uma indústria que provoca carnificinas diárias nas favelas e avenidas do Rio, São Paulo, Salvador, Recife, Belo Horizonte, Porto Alegre e outras metrópoles brasileiras. Negar esse fato é apelar para a hipocrisia, é achar que consumir droga faz parte da cultura moderna (e há um fascínio inegável em torno da questão), mesmo que para isso gente que nunca fumou um baseado ou cheirou uma carreira tenha que levar uma bala na cabeça. O raciocínio é o mesmo que vale no mundo empresarial: quanto maior a procura, maior é a oferta (e maiores são o valor e o sacrifício para se conseguir o produto desejado). Não é à toa que, em Cidade de Deus, Buscapé dizia que Zé Pequeno seria o empresário do ano se as drogas fossem um negócio legal.
Sei que esse é um raciocínio passível de críticas, que pode ser acusado de reacionário ou que vai de encontro à liberdade que cada pessoa tem de fazer o que bem entende, desde que não afete os outros. O problema é que afeta. E eu cansei de me deparar todos os dias nos jornais e ao meu redor com o saldo desse livre-arbítrio, embora saiba que a violência urbana não está exclusivamente alicerçada no tráfico de drogas, mas também no embrutecimento das relações sociais e na desigualdade social que só fez aumentar nas últimas décadas. Depois de pensar o oposto durante anos, hoje acredito que os usuários de drogas têm, sim, uma parcela significativa de culpa (a não ser que eles próprios produzam sua droga), e passar a mão na cabeça de toda essa gente seria como sair de fininho do boteco e deixar a conta para os outros pagarem - no caso, a bandidagem e as vítimas. Ou seja: seria atribuir apenas aos “Baianos” (para citar o vilão de Tropa de Elite) a responsabilidade por nossa desdita coletiva.

2 comentários:

Socorro disse...

Decidi não assistir a Tropa de Elite e não assisti. Pra mim, o mérito maior desse filme foi mostrar que a pirataria, aquela de pobre, que vende filme na rua, não é culpada de nada disso que sempre falaram. Não é ela que tira público do cinema. No mais, não gosto de violência e filme de violência precisa ser muito bom pra merecer minha atenção. Aliás, se eu tiver que me envolver hoje em alguma militãncia vai ter que ser contra essa história de violência na mídia. Acho que, mais que os consumidores de drogas, quem mais contribui com o aumento desta violência é a televisão, com seus filmes e novelas e telejornais e o diabo-a-quatro. O tal consumidor é só uma vítima desse sistema. Ele, o sistema, aquele que Edson Gomes dizia que é o vampiro, é o diabo, Paulinho, acredite. Quem souber de algum movimenmto contra isso me avise....

Paulo Sales disse...

Concordo em parte com você, Socorrinho. A televisão realmente emburrece e a desigualdade social (fruto do sistema, para usar suas palavras) realmente estimula a revolta e a violência. Mas é como eu disse: temos que dividir a conta. Se eu, adulto e em sã consciência, resolvo comprar uns papelotes para me divertir no fim de semana (vale lembrar que grande parte dos usuários é ocasional), tenho que assumir a responsabilidade por isso, assim como devo assumir a responsabilidade por dirigir embriagado. Vítimas, para mim, são os mortos e feridos da guerra do tráfico, aqueles que nunca cheiraram uma carreira na vida. O resto está no front.
bjs