Supostamente desaparecido há dois anos, como noticiou uma reportagem do Fantástico na semana passada, Belchior reapareceu ontem em cadeia nacional numa pousada no Uruguai, onde está vivendo com a mulher. Seu sumiço, comentado invariavelmente em tom jocoso, suscitou uma série de brincadeiras, incluindo montagens de Photoshop na internet e piadinhas infames, mas não lembro de ter visto em nenhum lugar qualquer informação relevante sobre a sua obra. Uma obra que acima de tudo merecia mais atenção e respeito, por mais que o tempo e a decadência artística a tenham esmaecido a ponto de torná-la um ponto obscuro nesta primeira década do século 21.
Comecei a gostar de Belchior na adolescência, influenciado por meu irmão mais velho, que vivia comprando seus discos. Era uma espécie de bardo ligeiramente exótico, com voz fanhosa e bigodão de mariachi, mas nem por isso um bardo menos talentoso. Seus versos, lá pelo final dos anos 70, eram precisos e inspirados, com forte acento social, que faziam lembrar o Dylan acústico de Mr. Tambourine Man e The times they’re a-changin’. Para comprovar, basta lembrar de frases como: “A minha alucinação é suportar o dia-a-dia, e o meu delírio é a experiência com coisas reais”. Ou: “Não preciso que me digam de que lado nasce o sol, porque bate lá meu coração”. Ou ainda: “Como uma metrópole o meu coração não pode parar. Mas também não pode sangrar eternamente”. Ou muitos, muitos e muitos outros versos que denotavam uma erudição rara e uma sensibilidade sem meio-termo.
Belchior era fruto de tempos duros, de uma época de contestação num país rude e belo, que ainda transitava entre o arcaico e o moderno, mais ou menos como vimos em Bye bye Brasil, de Cacá Diegues. E, acima de qualquer coisa, era um artista comprometido com a realidade desse país, que retratava com agudeza em suas canções. Talvez por isso, sua reaparição, nesta era de culto à mediocridade em que vivemos, só pudesse se dar como de fato se deu: com uma reportagem engraçadinha e recheada de frivolidades num programa engraçadinho e recheado de frivolidades como o Fantástico.