quinta-feira, 20 de agosto de 2009

A ovelha negra da família


Uma trajetória que desde lá atrás, ainda nos seringais do Acre, foi pautada pela coerência – política, ideológica e ética – não podia ter um de seus capítulos cruciais encerrado de forma diferente. Marina Silva não deixa o PT após 30 anos porque ansiava por mais visibilidade ou porque as disputas internas e pressões externas a tiraram do Ministério do Meio Ambiente. Marina deixa o PT porque não se enxerga mais nele, não se vê refletida naqueles homens que envelheceram mal, tornaram-se patéticos arremedos de si mesmos e não têm mais o que oferecer à sociedade. Com sua luta delicada e silenciosa – mas inapelavelmente determinada – por um país menos desigual e mais sustentável, a senadora dá prosseguimento a uma saga admirável de superação e ferrenha dedicação aos próprios princípios, iniciada quando deixou o seringal e a família paupérrima ainda adolescente, analfabeta e doente, para enfrentar a vida em Rio Branco. Se vai ser candidata a presidente é outra história. E talvez um projeto de tamanha envergadura – no qual as concessões e os malabarismos morais se tornam rotina – não seja mesmo adequado ao seu jeito sincero de fazer política. Tanto no aspecto frágil quanto na perseverança, Marina me lembra outro excepcional político lá do norte, o já falecido Jefferson Peres. Pessoas como eles dois, se multiplicadas, poderiam fazer um bem danado ao país. Mas a política, no Brasil, é quase sem exceção uma atividade de escroques, em torno dos quais orbita uma legião de vassalos pouco afeitos ao trabalho. Em suma: um ambiente impróprio para pessoas altruístas, vistas quase sempre como ovelhas negras ou aberrações descabidas. A nossa sorte, se é que podemos falar assim, é que Marina sempre soube transitar por ambientes hostis sem se ferir.

2 comentários:

Ricardo Ballarine disse...

Não sou tão otimista quanto você sobre alguns políticos fazerem bem ao país se multiplicados. Minha descrença talvez seja mais profunda, quem sabe irreversível. Reconheço a distância que Marina Silva possui do lodo, lodo que exala um cheiro forte nas notícias de hoje, do arquivamento do Senado à cara de covarde de Aloizio Mercadante - novamente. Resta saber se ela conseguirá, como você mesmo disse, transitar por esse lodo sem absorver a sujeira...

Paulo Sales disse...

Já me decepcionei muito ao longo desses anos. Demais mesmo. Mas ainda enxergo integridade em certos políticos. Marina é um deles, assim como Jefferson Peres, a quem admirava muito. O problema é essa engrenagem, que aprisiona todo mundo e impede que até gente com uma história digna consiga se desvencilhar do lodo. Mas uma coisa é certa: se tivéssemos mais gente como Marina e menos, muito menos, como Sarney, Calheiros, Collor, Dirceu, Maluf, ACM Neto etc etc.