terça-feira, 8 de setembro de 2009

Sobre homens e trilobites


Certa vez, li numa matéria que se fosse possível condensar a idade da Terra – aproximadamente 4,5 bilhões de anos – em apenas um dia, a espécie humana teria direito a quatro minutos de existência. Ou seja, nós surgimos como espécie só nos quatro últimos minutos de vida da Terra. Mais precisamente, às 23h56. Antes disso, nada. Somente répteis gigantes (os dinossauros teriam vivido cerca de uma hora de todo esse tempo), preguiças enormes, tubarões e vegetação maciça. E mesmo assim só lá no fim da noite, se não levarmos em conta os trilobites e microorganismos – nossos tataravós – que, com seu pioneirismo, deram início a tudo isso que está aí. Na maior parte do tempo, o planeta foi só uma cobaia de si mesmo: eras glaciais, vulcões em profusão, aquecimentos globais poderosos, maremotos e tempestades de meteoritos que castigavam nossa superfície. Em vez dos cinco continentes, um só: Pangéia. Em vez de cidades, trânsito e poluição, paisagens desoladas lentamente substituídas por belezas naturais arrebatadoras.
Mas onde quero chegar com esse papo de quem acabou de ler uma Superinteressante? Não sei. Talvez a uma resposta para questionamentos bem mais triviais e menos grandiosos que a idade da Terra ou a origem da vida. É possível, por exemplo, que o nosso – relativamente – pouco tempo no planeta explique em parte o que fazemos com ele. Ou o que fazemos às outras espécies, animais e vegetais. Ou, principalmente, o que fazemos a nós mesmos. Com um pouco de curiosidade e um tantinho mais de educação formal, é possível chegar às informações que elenquei acima. Informações superficiais, sem dúvida, mas suficientes para permitir que nos confrontemos com o abismo da nossa própria existência, com todas as suas limitações e contradições. Por que então optamos, muitas vezes de forma deliberada, pela ignorância? Somos seres complexos, biologicamente e intelectualmente falando, mas optamos por nos comportar como... trilobites.
É provável que a maciça maioria da população humana desconheça quase por completo o fato de que, geologicamente falando, estamos há pouquíssimo tempo no planeta. Ou de que somos fruto do acaso ou mesmo de que morremos como formigas, num simples estalo, sem que até hoje algum cientista tenha conseguido reanimar sequer o mais primitivo dos animais quando ele suspira pela última vez. O tamanho da nossa insignificância ainda é imensurável para muita gente. Erramos como nômades e nos reproduzimos como coelhos, reféns de seitas difusas, crendo por comodismo na possibilidade impalpável da vida eterna, aguardando uma redenção que não chega. E, talvez por acreditarmos nessa redenção, permanecemos confortavelmente alheios ao que nos cerca. Não sabemos, para além dos clichês, o que significa aquecimento global ou efeito estufa, nem sequer entendemos por que tanta celeuma por causa de uma florestinha dizimada ou um macaquinho extinto.
Se não me engano, foi Mario Quintana quem escreveu uma anedota genial, na qual dizia: o homem vem do macaco, e pelo comportamento de certos homens, percebe-se que alguns ainda estão vindo. Involuntariamente, é possível que ele tenha encontrado a chave que desvenda o nosso percurso. Ainda estamos nos desvencilhando do homem primitivo que persiste em nós, e isso leva tempo. Somos uma espécie em franca evolução biológica, embora nada indique que exista também uma evolução intelectual, moral e comportamental em curso. Pode ser que daqui a alguns séculos não tenhamos mais apêndice, mas é justo supor que permaneça em nós o instinto atávico de destruir. É possível que ele faça parte do nosso código genético, como o pendor por ruminar faz parte dos bois e a predileção por dilacerar faz parte dos felinos. Sendo assim, os poucos que reprovam a destruição em massa seriam na verdade genes recessivos. Uma pequena multidão de albinos e canhotos a postergar, com seus discursos ecochatos, a nossa missão primeva na Terra: tornar o planeta tão inabitável quanto era há 4,5 bilhões de anos.

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