Outro dia, como sempre gosto de fazer nos finais de noite, fiquei conversando com minha filha até ela dormir. Falávamos, entre outras coisas, dos seus amigos e amigas de escola, e ela me contou, usando suas palavras, que há um muro invisível separando meninos e meninas, com algumas exceções. Sua justificativa para isso foi certeira: “Os meninos só fazem correr, brigar e xingar”. É claro que nos próximos anos os hormônios em profusão e as mudanças de comportamento farão com que os dois sexos, para meu desespero de pai, venham a se aproximar. Mas a afirmação de minha filha deixa claro – e aí entra uma questão bem mais grave do que um tolo ciúme paterno – que há uma mudança em curso no comportamento dos meninos e adolescentes brasileiros.
O ambiente juvenil é e sempre foi violento, um lugar hostil para almas sensíveis ou corpos franzinos, e não é fácil sobreviver a ele sem seqüelas. Mas nunca vi tamanha agressividade como tenho observado nos últimos tempos. Algo que se pode confirmar numa pesquisa recente, na qual, se não me engano, 87% das adolescentes entrevistadas relataram ter sofrido agressões de seus namorados, que vão de tapas no rosto a título de “brincadeira” até socos movidos por ciúme. É um número por si só estarrecedor, mas que desvela problemas ainda mais sérios, como desagregação familiar causada por alcoolismo, violência doméstica, abusos sexuais e aniquilamento sistemático de preceitos éticos e morais básicos.
O resultado de tudo isso é uma terra devastada, onde um jovem mata a ex-namorada de 15 anos com um tiro na cabeça. A justificativa? Não conseguia viver sem ela. Ou onde um grupo de rapazes voltando da farra espanca uma moça num ponto de ônibus por diversão. A justificativa? Pensavam que era “uma puta”. E desde quando uma puta merece ou precisa ser espancada? Só um cenário assim poderia desaguar naquele episódio da garota que, por chegar para a aula na faculdade usando um microvestido, foi agredida, xingada e quase estuprada por 700 alunos ensandecidos. A justificativa? A roupa não era adequada. E qual roupa seria adequada? Uma burca? De onde veio esse neo-puritanismo repentino praticado por gente com uma idade que, em outros tempos, levantava barricadas, saía as ruas contra ditaduras e queria mudar o mundo? Ao que parece, a herança dos anos 60 foi totalmente pulverizada. Por onde andam Simone de Beauvoir, Jean-Paul Sartre, Allen Ginsberg, Bob Dylan e aquele bando de ripongas pelados que praticava o amor livre e pregava a igualdade entre os sexos? Sumiram sem deixar marcas no nosso país tropical abençoado por Deus. Ou seja: voamos sem escalas do conservadorismo dos anos 50 para o puritanismo estulto e sexista dos anos 2000. E, como sempre, não aprendemos nada com o passado.
Um comentário:
As pessoas não leem mais Sartre, Ginsberg, não ouvem Dylan. São absurdamente carentes, dependentes. É só olhar a forma como se relacionam com comunidades sociais na internet. Uma necessidade de exposição que acaba gerando mentes destorcidas, que desejam mas não sabem como dar vazão a eles de forma cúmplice.
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