quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Das barricadas ao puritanismo



Outro dia, como sempre gosto de fazer nos finais de noite, fiquei conversando com minha filha até ela dormir. Falávamos, entre outras coisas, dos seus amigos e amigas de escola, e ela me contou, usando suas palavras, que há um muro invisível separando meninos e meninas, com algumas exceções. Sua justificativa para isso foi certeira: “Os meninos só fazem correr, brigar e xingar”. É claro que nos próximos anos os hormônios em profusão e as mudanças de comportamento farão com que os dois sexos, para meu desespero de pai, venham a se aproximar. Mas a afirmação de minha filha deixa claro – e aí entra uma questão bem mais grave do que um tolo ciúme paterno – que há uma mudança em curso no comportamento dos meninos e adolescentes brasileiros.
O ambiente juvenil é e sempre foi violento, um lugar hostil para almas sensíveis ou corpos franzinos, e não é fácil sobreviver a ele sem seqüelas. Mas nunca vi tamanha agressividade como tenho observado nos últimos tempos. Algo que se pode confirmar numa pesquisa recente, na qual, se não me engano, 87% das adolescentes entrevistadas relataram ter sofrido agressões de seus namorados, que vão de tapas no rosto a título de “brincadeira” até socos movidos por ciúme. É um número por si só estarrecedor, mas que desvela problemas ainda mais sérios, como desagregação familiar causada por alcoolismo, violência doméstica, abusos sexuais e aniquilamento sistemático de preceitos éticos e morais básicos.
O resultado de tudo isso é uma terra devastada, onde um jovem mata a ex-namorada de 15 anos com um tiro na cabeça. A justificativa? Não conseguia viver sem ela. Ou onde um grupo de rapazes voltando da farra espanca uma moça num ponto de ônibus por diversão. A justificativa? Pensavam que era “uma puta”. E desde quando uma puta merece ou precisa ser espancada? Só um cenário assim poderia desaguar naquele episódio da garota que, por chegar para a aula na faculdade usando um microvestido, foi agredida, xingada e quase estuprada por 700 alunos ensandecidos. A justificativa? A roupa não era adequada. E qual roupa seria adequada? Uma burca? De onde veio esse neo-puritanismo repentino praticado por gente com uma idade que, em outros tempos, levantava barricadas, saía as ruas contra ditaduras e queria mudar o mundo? Ao que parece, a herança dos anos 60 foi totalmente pulverizada. Por onde andam Simone de Beauvoir, Jean-Paul Sartre, Allen Ginsberg, Bob Dylan e aquele bando de ripongas pelados que praticava o amor livre e pregava a igualdade entre os sexos? Sumiram sem deixar marcas no nosso país tropical abençoado por Deus. Ou seja: voamos sem escalas do conservadorismo dos anos 50 para o puritanismo estulto e sexista dos anos 2000. E, como sempre, não aprendemos nada com o passado.

Um comentário:

Ricardo Ballarine disse...

As pessoas não leem mais Sartre, Ginsberg, não ouvem Dylan. São absurdamente carentes, dependentes. É só olhar a forma como se relacionam com comunidades sociais na internet. Uma necessidade de exposição que acaba gerando mentes destorcidas, que desejam mas não sabem como dar vazão a eles de forma cúmplice.