É injusto fazer um paralelo entre o lugar em que vivemos e os lugares que visitamos. Injusto porque invariavelmente a balança vai pender para o que é novo e que nos chega de forma superficial, sem o enfado e o conhecimento pleno dos problemas que enfrentamos diariamente. Por outro lado, é impossível não perceber que habitamos – nós, brasileiros – um país que nos entrega muito pouco e nos toma em demasia. Estive em Santiago do Chile durante 10 dias, com direito a um passeio a Viña Del Mar e Isla Negra para me defrontar com a água azul-quase-negra do Pacífico. E, mais do que a atmosfera de acento europeu que emana da cidade, me impressionou o alto grau de cidadania que é ofertado aos seus habitantes.
Seca, poluída (meu nariz não parou de sangrar enquanto estive lá) e com seis milhões de habitantes (o que se reflete no trânsito intenso e no metrô lotado), Santiago é também um lugar onde se pode vagar calmamente, ver a vida passar, admirar as famílias nos parques e praças e perceber que até os cachorros de rua ostentam alguma dignidade. Um lugar onde a pobreza vem sendo mitigada de forma contundente já há algumas décadas, onde os crimes são rigorosamente prevenidos e punidos e onde a educação de qualidade é mais do que uma prioridade: é uma obrigação de governo, pais e filhos.
O resultado é uma cidade com pouquíssima violência urbana, presença mínima de armas de fogo e respeito natural às leis do trânsito. Claro que essas observações, colhidas junto a pessoas que vivem por lá, são pontuais e despidas de profundidade. Mas seus efeitos são nítidos para um turista que se propõe a caminhar muito e ir além dos pontos turísticos da cidade. E é aí que entra a questão: por que não conseguimos atingir esse mesmo grau de cidadania? Por que o Brasil parece patinar o tempo todo na própria história, quase sempre tropeçando nos próprios equívocos? Afinal, nossa história recente se assemelha em muito à trajetória chilena. Ambos padecemos de governos de esquerda inconstantes, substituídos por ditaduras de direita violentíssimas (a deles muito mais brutal do que a nossa) e voltamos ao confortável território da democracia, com gestões que buscaram a inserção de seus países na economia mundial de forma mais contundente, além de algum ganho social. É claro que estamos comparando nações muito distintas em quase todos os aspectos, incluindo aí as dimensões e características territoriais, e isso deve ser levado em conta.
Mas o ponto crucial – e agora já não me restrinjo a um paralelo com Chile, Argentina ou qualquer outro país latino-americano – é que nos recusamos a aprender com os exemplos alheios. Ficamos limitados a um arremedo de justiça social com outro arremedo de crescimento econômico, alijados pela corrupção endêmica, pela ignorância crônica e por uma vergonhosa desigualdade entre ricos e pobres, sem saber exatamente para onde vamos e o que queremos. E o que é pior: nem podemos sentar numa praça para contemplar o horizonte sem que nos roubem a carteira ou nos furtem a vida.
Um comentário:
Oi, Antonia, fiz uma barbeiragem e acabei apagando seu comentário. Segue abaixo e em seguida a minha resposta:
Paulinho! só hoje pude ler com calma seu texto, gostei muito, retrata o que sinto também em relação à minha terra quando a visito. Não pude, no entanto, deixar de me lembrar que o terremoto mexeu com vários parques daqueles em que vc olhou as famílias chilenas, e estas passeiam com uma dor nas costas que antes do terremoto não podia ser vista... A terra segue tremendo daquele lado do paraíso, e que bom que vc esteve lá antes da demostração dos humores da sua natureza...
en buen chileno: cuidate! besitos
Claudina Antonia
Resposta: Claro que um terremoto do jeito que aconteceu no Chile muda uma série de coisas, mas continuo achando que há algo de muito especial nesse país. Às vezes me pego pensando como seria se tivesse viajado alguns meses depois, como seria enfrentar aquilo. Estou a salvo, enfim, e ainda com algumas garrafas preciosas de vinhos chilenos guardadas comigo.
Um beijo,
P.
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