Até bem pouco tempo atrás, havia um oásis de tranqüilidade que parecia não ter sido afetado pelo recrudescimento da violência urbana em Salvador. Em qualquer estádio de futebol da capital baiana era possível ver torcedores de Bahia e Vitória caminhando juntos com suas respectivas camisas rumo à mesma catraca, torcendo juntos numa mesma arquibancada e voltando para casa irmanados no mesmo ônibus lotado. Afinal, o futebol, aqui, sempre foi encarado como uma festa descompromissada, por mais que a alma do torcedor saísse ferida após uma eventual goleada ou um título perdido.
Hoje não são as almas que saem feridas, nem apenas títulos são perdidos. A delinqüência e a estupidez invadiram de vez o universo futebolístico baiano, como de resto já haviam invadido o cotidiano de um estado em franco processo de degradação. Importamos de São Paulo a barbárie institucionalizada das torcidas organizadas, mas não conseguimos importar a opulência industrial e a prosperidade das cidades do interior do estado mais rico do país. Da mesma forma, importamos do Rio de Janeiro o crime organizado e a onipresença das drogas, mas somos incapazes de nos transformar numa terra bonita e cosmopolita como aquela cantada por Jobim e Vinicius.
Somos uma cidade e um estado estagnados há décadas, esperando um porvir improvável, onde a ausência de lideranças políticas sérias, cabeças pensantes e profissionais competentes leva a um marasmo intelectual e a um cemitério de idéias e iniciativas. A cordialidade de outros tempos foi parar em algum aterro sanitário, e hoje vivemos num território sem lei, violento e amargo, com uma desigualdade social brutal, travestido de eldorado tropical para consumo interno e externo. E agora nem é mais possível enterrar as mágoas dessa desdita com um singelo e sofrido grito de gol.