Fiquei sabendo, por uma matéria publicada no Estado de S.Paulo, que a vaga aberta na Academia Brasileira de Letras após a morte de José Mindlin está sendo bastante concorrida. Tem muita gente almejando a tal imortalidade, que na prática se traduz em algum prestígio, no uso do fardão verde com detalhes dourados e em animadas tertúlias nas sessões de chá com biscoitinhos promovidas pela entidade, fundada por Machado de Assis há 123 anos. Estão na disputa, entre outros, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau (autor de livros jurídicos e de um único romance), o embaixador Geraldo Holanda Cavalcanti (tradutor de poetas italianos e autor de um livro que foi finalista do Prêmio Jabuti) e o sambista Martinho da Vila (que também escreveu uma dezena de livros infantis).
Considerei a obra desses candidatos pouco expressiva, literariamente falando, e não encontrei justificativa para que fizessem parte da ABL. Mas dias depois li, no blog de Geneton Moraes Neto, que o poeta Mario Quintana tentara por três vezes fazer parte da entidade, sem que lhe fosse concedida a honraria. Logo Quintana, um gênio terno e compassivo, capaz de cometer versos como: “Ai de mim/Ai de ti, ó velho mar profundo/Eu venho sempre à tona de todos os naufrágios”. A princípio, achei uma grande injustiça, mas em seguida fiz uma rápida pesquisa para encontrar outros autores e intelectuais que não integram ou integraram os quadros da ABL, seja por vontade própria ou não. Parafraseando o cronista esportivo Fernando Calazans, que um dia disse que “se Zico nunca ganhou uma Copa, azar da Copa”, cheguei à conclusão de que, se Quintana nunca entrou para a ABL, azar da ABL.
O poeta gaúcho não está só nessa cruzada involuntária. Ou melhor, está muito bem acompanhado, como é possível perceber nesta rápida lista de reles mortais que não constam no site da ABL: Erico Verissimo e seu filho Luis Fernando, Carlos Drummond de Andrade, Ferreira Gullar, Clarice Lispector, Cecília Meirelles, Vinicius de Moraes, Antonio Candido, Adélia Prado, Wilson Martins, Graciliano Ramos e Rubem Fonseca, além de – para incluir outras áreas que não só a literatura – Chico Buarque, Antonio Carlos Jobim, Oscar Niemeyer, Heitor Villa-Lobos e por aí vai. Em compensação, estão entre os imortais nomes como Ivo Pitanguy, Marco Maciel e José Sarney, além de figuras para mim desconhecidas (o que provavelmente é um problema meu e não da Academia), como João de Scantimburgo, Padre Fernando Bastos de Ávila ou Evanildo Bechara. Ou seja: Vidas Secas não está lá, mas Marimbondos de Fogo está. Azar da ABL.
Claro que o paralelo acima é injusto, afinal estamos comparando a quintessência dos mortais com a escória dos imortais. Também já vestiram o fardão Guimarães Rosa, Jorge Amado, Darcy Ribeiro, Euclides da Cunha, João Cabral de Melo Neto, Manuel Bandeira, Otto Lara Resende, Nelson Pereira dos Santos e muito mais gente de talento inquestionável. O que me causa desconforto é apenas essa situação meio esdrúxula na qual há tantos imortais de fato excluídos da lista de imortais de direito. Mas a verdade de tudo isso é que a eternidade não depende da vontade de um restrito grupo de homens, estejam eles vestidos ou não com suntuosos fardões bordados. Shakespeare não é lido hoje, passados 400 anos da sua morte, porque alguém um dia afirmou que ele merecia tal galardão. O tempo pode às vezes ser injusto, mas ainda é o melhor critério para a escolha dos verdadeiros imortais.
2 comentários:
Concordo com tudo o que você escreveu. E acrescento. O trabalho da ABL é quase irrelavante hoje. Dizer que para promover a academia é necessário levar o Joel Santana para lá é desqualifica os que realmente merecem o título de imortal. Veja o trabalho feito pela Real Academia Espanhola quando "Don Quixote" fez 400 anos ou "Cem Anos de Solidão" completou 40 anos, dois livros reedidatos pela academia com estudos, ensaios, trabalho de fôlego de uma instituição criada para difundir a língua. Não levaram o Messi nem o Raúl para lá. Apenas fizeram seu trabalho...
Rapaz, nem sabia dessa história do Joel Santana. É cômico e trágico. Existe uma necessidade no Brasil de hoje de tornar as coisas palatáveis para o grande público. Isso acontece inclusive com a imprensa. E, sem querer ser elitista, quando você vulgariza você empobrece. A última da Academia foi promover um concurso literário inspirado no Twitter, com no máximo 140 caracteres. Para eles, isso é ser moderno.
abs
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