quinta-feira, 17 de junho de 2010

Futuro do presente


A internet é tão nova e tão intrinsecamente ligada aos conceitos de modernidade e tecnologia que não conseguimos imaginá-la como um repositório de antiguidades. Um museu de palavras, imagens, sons e sentimentos, no qual é possível encontrar tudo que foi produzido pela humanidade ao longo de anos, décadas e séculos. Pensando retrospectivamente, do futuro até os dias atuais, será que tudo que circula hoje pela rede permanecerá acessível daqui a 200 anos? Não deixa de ser curioso imaginar nossos textos plenamente vivos quando nós – eu, você e os seis bilhões de habitantes do planeta, sem exceção – já tivermos alcançado a condição de pó. Se isso realmente acontecer, o sonho de quase todos os escritores – de fazer com que a própria obra sobreviva ao fim físico – vai ser enfim realizado. Se hoje lemos Shakespeare, Cervantes ou mesmo Homero e Platão é porque as gerações posteriores perpetuaram o seu legado. Já os menos afortunados só podem se tornar conhecidos de novos leitores se um exemplar mofado encontrado num sebo deixar enfim a prateleira para cair nas mãos de algum desavisado. A situação é ainda mais dramática para os que jamais foram publicados: a papelada sai das gavetas direto para o lixo, e daí para o esquecimento sem retorno. Um mundo que se acaba.

Hoje, a internet permite que qualquer escritor tenha suas gavetas virtuais devassadas por leitores desconhecidos. Basta que aconteça uma conjunção de fatores não tão improváveis, como uma busca num site de pesquisa ou um link passado via e-mail ou Twitter. E, no futuro, é bem provável que esses pensamentos quase anônimos espalhados por blogs, redes sociais e outras ferramentas digitais permaneçam flutuando num purgatório virtual, até que uma palavra-chave inocentemente digitada no Google (haverá Google?) os resgate do limbo, levando o internauta a uma viagem ao passado, rumo à nossa página. Ele certamente estranhará o projeto gráfico antiquado, as palavras escritas num idioma só na aparência semelhante ao seu, as idéias de sentido confuso e os temas anacrônicos.

A questão é: haverá algum tipo de epifania, como acontece quando nos deparamos hoje com uma reflexão escrita dois mil anos atrás por um filósofo grego? Vai depender, é claro, da qualidade do que deixarmos escrito para essa posteridade improvável. Imagino num futuro longínquo um curioso fuçando o meu humilde blog, e de certa forma se relacionando com o meu jeito de pensar e ver o mundo. Um mundo completamente diferente do dele. Que tipo de sentimento nutrirá pelas palavras que escrevo hoje aqui? Haverá alguma identificação, algum elo capaz de superar a indiferença, o tempo e a distância? Que ele, dois séculos depois, responda a esses questionamentos postando um comentário logo aí abaixo. Infelizmente, eu não poderei responder.

2 comentários:

Marcos disse...

Muito bom, seu Paulo! rs Ri sozinho aqui com o ultimo parágrafo. Abs!

Paulo Sales disse...

Valeu, Pantikolo. Quem sabe um dia, daqui a 200 anos, não vão ler e sorrir também com esses nossos comentários.
Grande abraço.