segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O som e a fúria


Não lembro quem afirmou que tudo de essencial que precisava ser escrito na literatura em qualquer época já foi escrito um dia por William Shakespeare. Nesse sentido, ele seria uma espécie de quintessência, de nascente intelectual ou, parafraseando o título do livro de Harold Bloom sobre sua trajetória, o homem que inventou o humano como o conhecemos. Pelo parco conhecimento que tenho da obra do bardo inglês, seria uma leviandade refutar ou concordar com essa afirmação, mas provavelmente estamos apenas diante de uma frase de efeito, que tem como objetivo abarcar a avassaladora importância de Shakespeare na construção da cultura ocidental.

O fato – e talvez seja isso o que realmente importa – é que a leitura de sua obra proporciona momentos de enlevo difíceis de definir, como os que senti na noite de sábado, ao consumir em algumas horas todo o conteúdo de Macbeth. Há algo de sagrado em se deparar, no calor da batalha (ou seja, lendo o livro), com algumas das sentenças clássicas que há anos encontramos em textos jornalísticos ou em dicionários de citações. Incluindo aquela que talvez seja a definição primordial de Shakespeare sobre a condição humana, pronunciada por um Macbeth em desespero, prestes a ser derrotado e morto pelo exército inimigo. Aquela que em poucas linhas decreta e simboliza toda a nossa valorosa insignificância, a nossa inevitável finitude, o nosso destino implacável:

"O amanhã, outro amanhã, e mais um amanhã se arrastam com seu diminuto passo, dia após dia, até a última sílaba do registro dos tempos; e todos os nossos ontens têm apenas iluminado para os tolos o caminho do pó da morte. Apaga-te, apaga-te, breve vela! A vida não passa de uma sombra ambulante, de um pobre ator que se pavoneia e se agita ao dizer sua fala sobre o palco, e depois é esquecido. É uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, e que nada significa".

2 comentários:

Nina disse...

Gosto muito de Shakespeare, e seu texto está ótimo, parabéns.

Mas quanto a "O Som e a Fúria", gosto mesmo é do livro do Faulkner, um dos meus preferidos.

Beijo

Paulo Sales disse...

Obrigado, Nina.
O som e a fúria é uma paulada, foi penoso passar pela primeira parte. Mas, de Faulkner, prefiro Enquanto agonizo.
Um beijo