Dois textos publicados hoje na Folha de S.Paulo se complementam à perfeição, exibindo sem cortes as vísceras do país no qual vivemos. O primeiro é a coluna da comentarista política Eliane Cantanhêde, que aborda a disparidade entre a percepção que se tem do Brasil na Europa e Ásia, altamente positiva, e a realidade que nós, brasileiros, vivemos por aqui. O segundo texto relata o bárbaro linchamento de um motorista de ônibus que, após sofrer um mal súbito e perder os sentidos, bateu em alguns carros e atropelou um rapaz na noite de anteontem, no Jardim Planalto, zona leste de São Paulo.
Em seu artigo, Eliane conclui, após listar alguns dados sobre a violência no país: “Falta, portanto, muita coisa para o Brasil ser toda essa cocada preta: educação, saúde, produtividade, inovação, combate à corrupção, distribuição de renda. E, enquanto os brasileiros não pararem de se matar à toa, é melhor deixar o oba-oba para a mídia estrangeira e pensar o estágio e as fraquezas do país com um mínimo de racionalidade”. Ela está coberta de razão, e não vejo qualquer pendor partidário na sua análise (acho mesmo que se tivéssemos um outro partido no poder a realidade seria a mesma).
O crescimento inequívoco do Brasil, sem dúvida positivo e necessário, não vem acompanhado de um avanço significativo na nossa cidadania. É mais ou menos o que acontece nas outras nações emergentes, China, Índia e Rússia, que não conseguem estancar a pobreza extrema nem anomalias como o trabalho semi-escravo, máfias incrustadas em diversos setores da economia e castas rígidas que inviabilizam a mobilidade social. Porém, mais do que a corrupção endêmica, entraves burocráticos insolúveis e saúde e educação públicas à beira da falência, nossa enfermidade social mais grave é outra: a propensão atávica à violência. O Brasil é um país minado pela barbárie.
O crescimento inequívoco do Brasil, sem dúvida positivo e necessário, não vem acompanhado de um avanço significativo na nossa cidadania. É mais ou menos o que acontece nas outras nações emergentes, China, Índia e Rússia, que não conseguem estancar a pobreza extrema nem anomalias como o trabalho semi-escravo, máfias incrustadas em diversos setores da economia e castas rígidas que inviabilizam a mobilidade social. Porém, mais do que a corrupção endêmica, entraves burocráticos insolúveis e saúde e educação públicas à beira da falência, nossa enfermidade social mais grave é outra: a propensão atávica à violência. O Brasil é um país minado pela barbárie.
E é aí que entra em cena o segundo texto da Folha, que desvela o que somos de verdade, para além dos clichês do povo cordial e do país tropical abençoado por Deus: arrastado para fora do ônibus por cerca de 40 pessoas, que estavam em um baile funk próximo ao local do acidente, o motorista Edmilson dos Reis Alves, de 60 anos, teve o crânio esmagado por extintores de incêndio. O ônibus que dirigia foi alvejado por pedras enormes, que por pouco não atingiram os passageiros. A reportagem de André Caramante e Fernanda Barbosa revela que Edmilson era um profissional exemplar, que não bebia e tinha acabado de deixar a esposa que viajava com ele perto da casa dos dois, a apenas dez minutos do local do acidente. A polícia ainda vai investigar se ele morreu do mal súbito ou das pancadas.
Não interessa. Um linchamento como esse na maior cidade do Brasil – episódio corriqueiro, como os que lemos todos os dias nos jornais – expõe a fratura moral de uma sociedade em declínio. Uma sociedade fortemente armada, brutalizada e sem escrúpulos, que da classe A à classe Z fabrica cidadãos dotados de um senso de justiça enviesado e incapazes de coexistir com regras básicas de convívio. É nesse habitat inóspito que eu, você e pessoas como Edmilson vivemos e tentamos não morrer de morte matada. No caso dele, em vão.
2 comentários:
Muito medo dessa humanidade insensível que está tão do nosso lado........
O problema maior é justamente esse, Karla: eles estarem tão do nosso lado.
Um beijo.
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