Sou um monoglota. Embora consiga me expressar com razoável destreza em inglês e espanhol, não domino esses idiomas. Apenas arranho a superfície de suas sintaxes e seus intrincados labirintos fonéticos. Sei também que “je t'aime” significa “eu te amo” em francês e que “salaam aleikum” é uma saudação árabe que quer dizer “que a paz esteja com você”. Com esse conhecimento precário, acho que consigo me virar em boa parte do mundo. O mais difícil, no meu caso, é ser um monoglota comportamental. Meu limitado arcabouço de gestos, atos e opiniões me impede de compreender o meio que me cerca.
Tento, com a persistência dos analfabetos, compreender as ações e reações de pessoas que transitam diariamente perto de mim, seja no trânsito, no supermercado ou em algumas rodas de conversa. Gente que em muitas ocasiões se manifesta no volume máximo, mas da qual sou incapaz de extrair qualquer coisa. Ou, como diria Humberto Gessinger: “Eu presto atenção no que eles dizem, mas eles não dizem nada”. É como se eu fosse um exilado na cidade onde nasci, apartado dos outros, vivendo numa bolha com as poucas pessoas que gosto, manifestando intimamente um alívio quando entro em casa e tranco a porta do apartamento. Aí sim estou em minha comunidade, meu gueto, meu habitat.
Na rua sinto um pouco de medo, como um angolano recém-chegado a Lisboa, um turco a Berlim ou um haitiano ao Acre. Sem perceber, me tornei um imigrante indesejado, um refugiado de guerra, um sujeito facilmente reconhecido como vindo de outras paragens, seja pelos gestos ou pelo linguajar. Não pertenço ao tempo que habito, muito menos ao espaço que habito. Às vezes, penso que uma mudança me faria bem. Quem sabe seria capaz de encontrar mais pessoas falando o meu idioma em outra cidade, ou até em outro país. Mas acho que não. O ser estrangeiro é uma condição essencial do meu temperamento, da minha formação, do meu jeito ensimesmado. Sou como um franco-atirador desarmado, observando do alto de um campanário as trincheiras lá embaixo.
Pensando bem, talvez a chave esteja justamente nessa palavra: desarmado. Fui uma criança desarmada, um adolescente desarmado e hoje sou um adulto desarmado, rodeado por fuzis, pistolas e escopetas – metaforicamente e literalmente falando. Nesse sentido, só poderia mesmo ser um monoglota, incapaz de entender a linguagem de sinais que verbaliza a indiferença, a brutalidade gratuita, o salve-se quem puder. Nem melhor, nem pior, apenas alguém inoportuno. O carinha chato numa roda de amigos que não sabe os códigos de conduta ou os motivos que levam ao riso ao fim da piada.
4 comentários:
Também me sinto assim. Sou mais um observador, que não entende essa língua que falam lá fora.
Bem, pelo menos falamos o mesmo idioma, meu caro.
Grande abraço.
Paulo,
Você conseguiu expressar exatamente a forma como me sinto morando aqui. Tenho a certeza absoluta que, no campanário, há mais franco-atiradores do que você imagina.
Só discordo em relação ao "desarmado". Nossas armas são poderosas. E o melhor: são ignoradas atualmente.
Se o alcance de um fuzil, pistola ou escopeta, metaforicamente e literalmente, é limitado, nossas armas tem um alcance infinito, atemporal. Mesmo sendo um monoglota.
Grande Laert,
Obrigado por me fazer companhia no campanário.
Quando digo desarmado, me refiro à forma com que sempre olhei a vida: sem qualquer espírito belicista, apenas aparvalhado pela forma como os homens se agridem, seja na infância, adolescência ou agora.
Tomara que você esteja certo e que nossas "armas" tenham algum alcance.
Um abraço.
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