Fui na semana passada a uma cerimônia de batismo. Um ritual simples e singelo, ministrado não por um padre ou pastor, mas por amigos dos pais da criança. Em um pequeno púlpito de frente para o mar, algumas pessoas se revezaram em discursos rápidos e sinceros, e em todas as mensagens percebia-se uma mesma tendência: a de considerar a criança uma bênção, uma dádiva, um acontecimento que veio para enriquecer espiritualmente a vida dos pais. Há um detalhe nessa história: o garotinho, hoje com um ano e meio, é um sobrevivente. Nasceu com uma doença congênita gravíssima e desde o seu nascimento passou por intervenções cirúrgicas invasivas e tratamentos pesados, que o mantiveram boa parte da sua curta existência dentro de hospitais. São perceptíveis os efeitos de todos esses dissabores sobre o seu corpo, mas de resto é uma criança que chora e sorri com a mesma graça pura de qualquer outro bebê.
Observei os pais. A exaustão estava esculpida em seus rostos, causada por 18 meses de sofrimento e abnegação, noites mal dormidas em desconfortáveis poltronas de hospital, esperanças acalentadas e em seguida descartadas. Mas não percebi em nenhum momento uma expressão de fastio, prostração ou desejo de jogar a toalha. Por mais difícil que possa parecer para um cético como eu, era evidente que eles encaravam toda aquela situação – que ainda está muito longe de acabar – de uma maneira estóica, como um aprendizado, uma via-crúcis necessária e até certo ponto almejada, vigorosamente alicerçada num amor profundo por sua cria. Não havia nem mesmo qualquer manifestação de auto-engano, quando as palavras exprimem o oposto do que diz a expressão facial.
Naquele momento, me pareceu claro que a espiritualidade exercia sobre o casal um efeito positivo. Acreditar no que está além do humano permite que se enxergue um aprendizado onde um ateu enxerga apenas dor e sofrimento. Crer, no caso deles, equivale a uma espécie de calor. Nada de fanatismo, ignorância ou dogmas engessados, apenas um sopro morno que os protege do frio voraz que é a nossa brutal e fugaz passagem pela Terra. Era como se os três estivessem cobertos por um manto de solidariedade e aconchego, um grande útero refratário a pensamentos ruins e confrontos interiores, desses que nos lançam contra o que há de mais impiedoso em nós. Acho que pela primeira vez, nessa minha longa trajetória agnóstica, eu me dei conta da capacidade que uma religião tem de atenuar nossas desgraças, aparar nosso desespero, fincar em nossa consciência uma lógica moral que explique por que fomos nós os escolhidos, e não a mãe que abandona o filho no mato. É a mesma lógica de Jó, personagem da Bíblia, aquele que é castigado ao extremo da miséria, das chagas e das perdas em profusão e mesmo assim não renega o seu ser supremo.
Obviamente, o batizado da semana passada não significou para mim uma epifania, uma conversão ao sagrado. Não me tornei de uma hora para outra um católico fervoroso, um espírita convicto ou um evangélico fanático. Não. Sei bem do meu frágil limite físico, da minha insignificância (e a de todos nós) diante de um universo tão vasto que não o apreendemos em sua totalidade. Apenas tateamos, tentando achar em uma nebulosa a bilhões de anos-luz de distância uma resposta para a nossa existência, nossa escalada em um único planeta habitável dentre milhões de astros áridos e inóspitos, quentes ou gelados ao extremo. As religiões nunca vão encontrar respostas para esses questionamentos e nem deveria ser esse o papel delas. Sua função é bem mais modesta, mas não menos valorosa: oferecer algumas xícaras de conforto e resignação bem quentes a quem se depara com um frio lancinante e solitário na alma.