terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Oceano de saudade




Assim como os leões carregam a selva consigo, mesmo tendo nascido no cativeiro – mesmo os seus pais tendo nascido no cativeiro –, nós também carregamos no nosso íntimo algo essencial, uma herança que vem de muito longe e se manifesta em determinado momento de nossas vidas. Há, em mim, uma nostalgia do continente que ficou para trás em algum período da linhagem à qual pertenço. Sou, por mais que desconheça isso, parte do imigrante que deixou o velho continente há mais de 100 anos para se estabelecer no Brasil. Não sei o seu nome, mas sei que veio de Portugal, a ponta peninsular da Europa, a pista de decolagem para o novo mundo desconhecido. Como esse tataravô, carrego comigo uma espécie de saudade. E essa saudade não me abandona.

Encontrei algo de muito remoto do meu passado ao conhecer a Europa, ao caminhar a esmo por Paris. Percebi, naqueles rostos ensimesmados, naqueles prédios seculares, praças e sacadas, naquela forma de levar a vida, algo de profundamente familiar. Sou latino, daí ter me afeiçoado mais por Paris do que por Londres, anglo-saxônica por excelência. Mesmo que Paris não seja a minha casa primordial (que, acredito, deva ser Lisboa, Coimbra, Porto ou qualquer outra cidade portuguesa), ela evoca um sentimento de pertencimento. Sou feito desse sentimento, e ele aflora quando bebo um vinho europeu (mais os ibéricos que os franceses), leio um poema de Fernando Pessoa ou me emociono com o que é muito mais antigo e duradouro do que o jovem país onde nasci.

Passados alguns dias do fim da minha curta viagem, Paris ainda não me abandonou. Permanece em mim, como uma sombra quente ou o espectro de alguém querido. Pode ser meu pai, meu avô, meu bisavô, meus velhos ancestrais sentados num banco de praça da velha Europa, espiando o tempo se esvair. Como canta Henri Salvador em Jardin d’Hiver, “Les années passent / Qu'il est loin l'âge tendre / Nul ne peut nous entendre” (“Os anos passam / Longe é a tenra idade / Ninguém pode nos entender”). Trago comigo um oceano de saudade. Sou um europeu tardio, temporão, perdido na América do Sul. Uma alma velha, vivendo em um tempo ao qual não pertenço, incapaz de me fazer entender e mais incapaz ainda de entender o que me rodeia. 

3 comentários:

Marco Gavazza disse...

Tire essa grade da frente e se jogue Paulinho. Sou bem mais velho que você ainda farei isso. La vie en rose só faz sentido em Paris. Abraços.

Paulo Sales disse...

Essa grade talvez seja uma metáfora inconsciente do cativeiro, Mestre Gavazza. Me jogarei sim, só penso em arrumar meios para fazer isso.
Grande abraço.

Anônimo disse...

Você fez algumas observações de primeira lá. Eu considerei na web para a emissão e localizada a maioria das pessoas vai sair junto com junto com seu website.