Observo os
objetos que compõem o meu gabinete. E me pergunto: o que será deles, caso
sobrevivam ao meu fim. Ficarão guardados em uma caixa de sapatos? Depositados
em um canto escondido no futuro escritório de minha filha, como lembrança do
pai que a amou tanto? Serão doados, jogados fora, convertidos em poeira e
desimportância? Não faço ideia. Sei apenas que toda essa memorabilia representa
quase nada se despida do valor afetivo que o seu dono destina a cada peça. São
singelos ícones de uma linha do tempo imprecisa, que no decorrer das décadas
receberam sucessivas camadas de sentimento e saudade a cada olhar ou a cada
reminiscência.
Meio
empoeirados, atulhando as minhas prateleiras ou enfeitando a minha bancada, eles
permanecem ali, como cúmplices de crimes inexistentes: o delicado anjo de
porcelana que pertenceu ao meu avô paterno; o São Paulo dado por minha mãe para
me proteger de tempos difíceis ou doenças graves; a calçadeira de osso que foi
de meu pai e que sempre gostei de usar. Há mais: o machadinho de pedra-sabão adquirido
em Ouro Preto, no qual se lê a inscrição “A felicidade está contida no vento
frio das auto-estradas”, de autoria de um certo Paradise Duluoz; o simpático índio
inca de madeira comprado no Chile; o rosto de expressão entre irônica e
carrancuda que me remete a um dia particularmente agradável em Montmartre.
Quanto deve
valer, por exemplo, a pedra bruta com cristais incrustados que adorna a
prateleira dos autores de R a S? Para os outros, apenas um mineral
sólido e sem serventia, mas para mim um presente precioso, dado por uma garota
mineira por quem me apaixonei quando estive em Curvelo. Do mesmo modo, que significado
especial pode ter o velho par de sapatinhos azuis de bebê, bem gasto, que fica
ao lado da caixa de charutos? Nenhum, senão pelo fato de que me fazem lembrar dos
primeiros anos de minha filha, e de como eu amava vê-la correndo com aqueles
sapatinhos.
Como todos esses
objetos, também os livros, discos, fotografias, pôsteres, poemas dispersos,
originais nunca publicados e velhas correspondências devem sobreviver a mim, bem
como as centenas de rolhas da minha coleção de bebum assumido. Reunidos neste
pequeno quarto, eles de alguma forma refazem em silêncio o percurso sinuoso de
minha passagem pelo mundo. Daqui a 100 anos, alguém vai abrir as páginas de
algum desses livros? Vai descobrir naqueles originais guardados um talento
inaudito? Vai se emocionar com as cartas que falam de anseios malogrados ou
sentimentos represados? Para todas as perguntas, a resposta é: provavelmente
não. Tenho consciência da minha insignificância. Sei que essas quinquilharias
que hoje me rodeiam serão só testemunhas da cinza das décadas, do oblívio
inapelável ao qual serei lançado um dia.
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