Hoje
acordei com vontade de ouvir Meu Amigo Pedro, de Raul Seixas, provavelmente por
ter assistido no sábado ao documentário O Início, o Fim e o Meio. E ao ouvir a
canção, enquanto tomava o café da manhã antes de ir para o trabalho, me transportei
quase de imediato para uma tarde quente e empoeirada de mais de 20 anos atrás,
em algum trecho de uma estrada de Minas, numa das muitas viagens que fiz de
ônibus nesse período. Umas quatro fileiras à minha frente, um rapaz ouvia
músicas de Raul num velho gravador, que ecoavam por todo o ônibus, e era
agradável passar o tempo ao lado delas. Uma das canções era justamente Meu
Amigo Pedro, que lembro de ter ouvido pela primeira vez naquele momento. Estávamos
em 1991 ou 1992, não sei precisar, e Raul Seixas tinha morrido poucos anos
antes, embora se mantivesse vivo até demais naquele ônibus.
A idolatria
em torno dele começava a tomar corpo, convertendo-o em um ícone profundamente
identificado com as camadas populares. Suas músicas, mesmo as de significado
mais obscuro, calavam fundo nos corações e mentes do Brasil profundo. Ao
terminar de beber a vitamina e pegar a chave do carro, me veio à mente uma
lembrança ainda mais remota (agosto de 1989, para ser mais preciso): eu e meu
pai conversávamos na janela do quarto dele, na penumbra. Acabávamos de saber da
morte de Raul, e eu me sentia triste. Meu pai, não sei se para me consolar ou
apenas esboçando uma opinião pessoal, disse algo como: “A gente lamenta o fato
dele morrer tão novo, mas não dá para dizer que era um grande artista, suas
músicas não eram grande coisa”. Obviamente, meu pai, maturado por décadas no
universo musical de Cartola, Silvio Caldas e Frank Sinatra, não perceberia em
Raul uma voz capaz de lhe dizer algo de relevante.
O que fica
evidente no filme de Walter Carvalho é que o roqueiro baiano não cantava para
um público específico. Simples e sinceras, suas canções tinham alcance
universal, daí uma canção como Ouro de Tolo fascinar tanto Caetano Veloso
quanto o cara do ônibus que ia, sei lá, de Mariana para Barbacena. Isso fica bem
claro na sequência do enterro de Raul, uma das mais comoventes do documentário.
Aquela multidão de gente da periferia de Salvador cantando alto e chorando o
fim do ídolo, do amigo barbudo e magricela que lhes falava ao pé do ouvido,
abordando com simplicidade pungente (e ao mesmo tempo com profunda
autenticidade e talento) temas como autoritarismo paterno (Sapato 36), amores
não correspondidos (A Maçã), insanidade (Maluco Beleza), fé (Tente Outra Vez),
elucubrações metafísicas (Gita) ou existências desperdiçadas pelas convenções
sociais (Medo da Chuva).
Ponha uma
música de Raul em qualquer baile de subúrbio ou numa festa da alta roda que a
receptividade vai ser a mesma. Era o que eu percebia, um tanto emocionado, nas
festinhas da faculdade em São Paulo ou, como já disse, nos ônibus
interestaduais que cortam o Brasil. É uma das melhores maneiras de ser eterno.
3 comentários:
Bela lembrança, Paulinho. Esse filme sobre o Raul tem uma cena muito interessante quando o próprio artista baiano mostra a semelhança entre o rock e o baião. É fantástico. Viva Raul Seixas! Viva Luiz Gonzaga! Você tem toda razão quando diz que a obra de Raul é universal. E clássica. Em qualquer época, vai sempre dizer o que precisa ser dito. Forte abraço.
Sim, meu velho, Raul era um mestre em fundir coisas aparentemente díspares, inclusive falar às massas recorrendo a elementos teoricamente complexos nas letras e a uma salada musical riquíssima. Até hoje o escuto com certa frequência, e o filme resgata o homem por trás da obra, o doidão generoso e autodestrutivo, que foi embora cedo demais.
Abração.
Toca Raul!!!!
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