Em janeiro de 1994, eu prestei vestibular para jornalismo em algumas faculdades de São Paulo. Foi um período em que minha vida era tomada por resoluções em cascata, que incluíam morar em outra cidade, deixar a casa dos meus pais e tentar ser jornalista na maior cidade do Brasil. Há 20 anos, minhas utopias pessoais ainda estavam de pé, quase intactas, e o mundo inteiro parecia se descortinar à minha frente. Utopias de um jovem pertencente à última geração que cresceu acreditando nelas. Até que em 1989 o Muro de Berlim desabou, o comunismo ruiu e o que se convencionou chamar de esquerda aderiu em parte ao cinismo - mas aí já sabíamos que a aventura comunista não tinha sido mesmo boa coisa. De qualquer modo, havia ainda a possibilidade de que algo desse certo, uma terceira via ou algo do gênero, e me mudei para São Paulo com parte dessas convicções ainda reverberando em minha restrita visão de mundo.
Acabei entrando justamente na faculdade que queria, a Cásper Líbero, e foi uma experiência enriquecedora (incomparavelmente melhor do que o curso de Administração de Empresas que havia deixado pelo caminho em Salvador). Morar em outra cidade, a princípio com meu irmão mais velho, depois sozinho e por fim com minha futura mulher, também valeu a pena, assim como conhecer pessoas que agregaram valor ao meu camarote intelectual, entre professores e colegas de faculdade e trabalho. Mas esse período também representou o declínio das minhas ilusões. Mais uma vez, pertenci a uma geração derradeira, chegando novamente no final da festa. O fim do século 20 trouxe a reboque a chegada da internet e a pulverização da informação, provocando a derrocada do jornalismo clássico com o qual alimentávamos nossas ambições (redações enfumaçadas, sinfonia de máquinas de escrever e escapulidas às cinco da tarde no bar da esquina). A imprensa não seria a mesma depois do www e nós, recém-formados, acompanhávamos perplexos essa mudança. As redações foram ficando mais enxutas, a informação também. Quem formava opiniões passou a ser formado por elas. Com isso, mesmo os meus amigos mais talentosos acabaram não vingando na profissão como mereciam.
Voltei para Salvador em junho de 1998. Casei, fiquei desempregado e um tanto deprimido por um par de anos, até que tive a minha filha e comecei a trabalhar em redação, escrevendo críticas de cinema e resenhas literárias. Foi bom enquanto durou, mas não poderia durar muito. De todo modo, os anos passados em São Paulo foram fundamentais para formar a pessoa que sou hoje. Não aguentei a cidade mais do que cinco anos, mas sinto falta do seu espírito cosmopolita e dos amigos com quem dividi a sala de aula, o dia a dia no trabalho e, principalmente, as mesas de bar. Já se vão 20 anos. É tempo demais, mas também de menos. Converso com alguns amigos pelas redes sociais, vejo fotos de outros e não resisto ao clichê do “parece que foi ontem”. Talvez porque ainda acredite em utopias, mesmo as mais estúpidas e sem sentido. Talvez porque 20 anos sejam, na realidade, pouco mais do que uma vírgula na nossa idade adulta.
4 comentários:
Ao acabara de me formar em engenharia e também entrei na faculdade que queria, sem rumo - ainda que em casa. Um encontro casual entre você e outro amigo nos aproximou - a idade também, afinal, éramos mais velhos na turma mais próxima. E hoje aqui estamos, 20 anos depois, talvez distante daquele universo que prometia se desvendar, mas próximo do que ele nos verdadeiramente nos deixou.
Engraçado que o tempo não parece ter passado tanto, por mais que estejamos hoje tão diferentes daqueles rapazes cheios de sonhos dos corredores da Cásper. Foram tempos ricos de experiências e sentimentos, e é claro que valeram a pena. Precisamos botar o papo em dia, enfim.
Paulão, saudades dos velhos tempos e dos amigos, bom saber que continuamos juntos e misturados, ainda que a distância. E ainda acreditando em ideais (utopias?). Só uma observação, passaram-se uns 18 anos, desde 1998, e não 20, tá querendo nos envelhecer? ;0) mas parece mesmo que foi ontem. grande abraço!
Profético Rodrigón,
Uma honra sua presença por aqui. Acho que de certa forma conservamos nossas utopias, embora as que estão ligadas a nossa profissão dificilmente permaneçam de pé. Ilusões perdidas, como diria Balzac. Saudade daqueles tempos também e das amizades que fiz - você incluído.
Os 20 anos a que me refiro no título se referem ao início da faculdade, 1994 (o texto é de 2014) e não ao seu final. De qualquer modo, parece mesmo que foi ontem.
Abração, meu velho.
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