Macondo está órfã. José Arcádio, Úrsula, Rebeca, Remédios,
Melquíades e todos os Aurelianos Buendía, incluindo aquele primeiro, que o pai
levou para conhecer o gelo numa tarde remota, também estão órfãos. Florentino
Ariza e Fermina Daza estão órfãos. O senhor muito velho com umas asas enormes
está órfão, assim como Estevão, o afogado mais bonito do mundo. Assim como a
moça que deixou um rastro de sangue na neve antes de morrer. Ou como Erendira e
sua avó desalmada, ou como o general em seu labirinto, o patriarca em seu
outono, o coronel a quem ninguém escreve. Assim como o sábio triste que desejou
uma noite de amor com uma adolescente virgem no dia dos seus 90 anos. Assim
como eu.
Gabo nos deixou a todos órfãos porque foi um pai que nos
mostrou como ninguém o caminho a ser seguido. Um pai que aprendemos a amar à
medida que o conhecíamos, à medida que desbravávamos lentamente (ou melhor: avidamente)
o seu infinito particular. O que dizer do fascínio que senti aos 15 anos,
quando tomei um livro seu pelas mãos e me embrenhei nos
amores contrariados de O Amor nos Tempos do Cólera? E o que dizer quando, logo
em seguida, ainda impregnado pelo fascínio daquela história eterna, ele me
levou pela mão e me mostrou o universo de desencanto e fantasia em estado bruto
que encontrei em Cem Anos de Solidão? Quantos alumbramentos, quantas
descobertas, quanto delírio silencioso.
Li muitos livros seus ao longo dos meus primeiros vinte anos.
Depois, por já ter lido quase tudo, demorei a voltar a ele. Não importa. Seu
lugar está garantido aqui, no monstro que se debate no lado esquerdo do meu
peito. Há duas semanas, reli Memória de Minhas Putas Tristes, seu pequeno, singelo e derradeiro romance. E senti uma pontinha daquele sentimento avassalador
que seus romances provocavam no jovem que fui. No homem que sou. Era um
velhinho querido, amado, como são os velhos por quem devotamos doses maciças de
afeto. Fique em paz, Gabo. Meu querido Gabo. Nós, que pertencemos às estirpes
condenadas a cem anos de fascínio, teremos muitas outras oportunidades sobre a
Terra de reencontrar você.
6 comentários:
Pois bem, amigo órfão Paulo.
Não saberia expressar o sentimento pela morte do velho Gabo como você o fez.
Tomo portanto suas palavras emprestadas, se você me permite, e compartilho como uma homenagem também. Assinada, obviamente, por você.
Forte abraço.
Obrigado, meu velho. E fique à vontade para compartilhar. Abração.
Paulinho: você, dias atrás, quando Gabriel García Márquez se internou pela última vez, mandou um recado via facebook para que a gente fosse se preparando. Diante do quadro clínico delicadíssimo do Gabo, estava claro que ele não iria resistir por muito tempo. Era a vida dizendo que ele precisava descansar. Que Gabo descanse em paz. Vi, nas redes sociais, belas homenagens. E resolvi reproduzir trechos de três delas, em um post no Notícias da Pauliceia. Você encerra uma breve sequência iniciada por Vlademir Furtado de Brito, intermediada por Isabel Allende.
Obrigado por compartilhar e por me colocar em tão boa companhia, meu caro Giovanni. Engraçado que, como acontece com pessoas queridas que conhecemos, por mais que a gente se prepare sempre bate uma dor forte quando o fim acontece. Gabo me marcou muito em uma época fundamental da vida, a da minha formação. Não esqueço do impacto de seus livros sobre o adolescente que eu fui. Que seu legado perdure.
Gabo iria gostar.
Muito obrigado, amigo.
Postar um comentário