quarta-feira, 4 de março de 2009

Sobre heróis e reminiscências


O jogo era à meia-noite, mas mesmo assim não dormi e fiquei assistindo à tevê na casa do meu tio, em Aracaju, onde estava passando férias. Meu pai sabia que eu estaria acordado e me ligou quando a partida terminou – Flamengo 3, Liverpool 0 –, lá pelas duas da manhã. Isso foi há muito tempo, eu tinha 11 anos e o Flamengo conquistava seu primeiro e único Mundial Interclubes, o torneio mais importante da história de qualquer clube. Lembrei desse dia quando vi no noticiário que Zico, o mais brilhante e importante jogador daquele time de craques, fez 56 anos. Mais do que um ídolo, Zico foi uma espécie de elo que me uniu ainda mais a meu pai durante a infância, assim como Romário me uniria a ele na idade adulta. O Galinho não marcou no jogo contra o Liverpool (fez dois lançamentos precisos para os gols de Nunes), mas para chegar até lá ele foi fundamental.

Um ano antes, o Flamengo tinha vencido pela primeira vez o Campeonato Brasileiro, e meu pai não suportou assistir ao jogo, preferiu sair para andar, fumar e esperar passar o tempo. Voltou com o jogo já encerrado e me abraçou. Da mesma forma que me abraçou quando o Mengão ganhou a Libertadores, contra o Cobreloa, e o tricampeonato brasileiro, contra o Santos, Adílio fazendo um golaço de cabeça no final. Depois Zico foi vendido ao Udinese e Morais Moreira criou uma música linda, que dizia: “E agora como é que eu fico nas tardes de domingo, sem o Zico no Maracanã. E agora como é que eu me vingo de todas as derrotas da vida se a cada gol do Flamengo eu me sentia um vencedor”. Zico passou, o Flamengo imbatível passou e meu pai não está mais aqui para me abraçar quando nosso time ganha. O que fazer? O tempo passa, as reminiscências ficam, e temos que nos contentar com elas.

3 comentários:

Marcos disse...

Velho, sei bem como vc se sente, em relaçao ao time (mesmo eu sendo Baêa) e, principalmente, em relaçao ao pai. Abs

Paulo Cunha disse...

Bonito post, meu caro. Lembro bem desse jogo, foi em 1981. Tinha uns 14 anos, acho. Mas a batalha mesmo foi contra o Cobreloa, na final da Libertadores. Uma batalha em três atos. Sangrenta, literalmente. Entendo o que você está sentindo quando fala de seu pai. Perdi o meu faz seis meses e acredito que os momentos mais sentidos são os de parceria, das coisas que fazíamos juntos com o pai. Me lembro do primeiro jogo que meu pai me levou no estádio. Foi em 1976, eu tinha sete anos. SPFC 0, Juventus 3, em pleno Pacaembu. E da cara de chateação dele (maior que a minha) pela derrota do nosso tricolor na minha estréia nos estádios. Sinto falta disso. Meu pai gostava de me ouvir tocar violão. Ele abria um vinho e me pedia para tocar Neil Young. Naquela época eu só sabia umas duas dele, e tocava (com imenso prazer) umas dez vezes cada uma. Sinto falta disso também. E de um monte de outras coisas. Vou escrever sobre isso em breve no meu blog. Desculpa o longo comentário. Um grande abraço.

Paulo Sales disse...

Marcos e Paulo,
É engraçado perceber como o futebol, mais do que uma paixão sem fronteiras, é um elo familiar extremamente sólido. E como a saudade dói latejada, assim como uma fisgada, para usar as palavras de Chico. Continue escrevendo longos comentários, Paulão. Eles são ótimos. E os jogos contra o Cobreloa - com direito a pedradas e socos dentro de campo - foram mesmo épicos.
abraços