Em um trecho de A verdade das mentiras, Mario Vargas Llosa afirma que a literatura é “alimento de espíritos indóceis”. Ou seja: seríamos, os fascinados pelo delírio silencioso das letras, seres incapazes de habitar o conformismo ou habituar-se à mediocridade. Llosa diz mais. Diz que a literatura é essencial para evitar que uma sociedade “seja condenada a se barbarizar espiritualmente e a comprometer sua liberdade”. É uma pena, portanto, que sejamos tão poucos.
Mas, e se fôssemos muitos? Seria diferente? Tenho cá minhas dúvidas. Somos tão pouco afeitos a transformar o mundo para além das nossas confortáveis trincheiras virtuais ou impressas que não sei até que ponto conseguiríamos reproduzir na prática o que elucubramos na teoria. Qual é verdadeiramente o papel dos que se dedicam a pensar? Ou melhor: pensar é também uma forma de agir? Esses questionamentos me vêm à tona quando penso na inocuidade das nossas boas intenções. Sinceramente, não acredito que os amantes do conhecimento sejam capazes de evitar que uma sociedade se barbarize, seja espiritualmente ou no aspecto material. Afinal, a barbárie está aí, por todo lado, a nos assombrar. Tudo isso é uma ducha fria naquela afirmação de Monteiro Lobato, para quem um país se faz com homens e livros. Infelizmente, a argamassa que deu forma à maioria das nações é constituída de homens e armas.
Por outro lado, alimentar-se de cultura tem um lado francamente positivo, também abordado por Vargas Llosa: a luta silenciosa pela liberdade. É através dela que a aventura humana pela Terra ganha significado, embora ainda impreciso. Quando imergimos na leitura e passamos a olhar retrospectivamente o mundo, conseguimos vislumbrar a trajetória de sangue e dominação que marcou os últimos dez milênios e, consequentemente, criar empecilhos à sua repetição nos próximos dez. Se conseguiremos é outra história. Mas quem sabe, espíritos indômitos que somos, um dia a nossa guerra silenciosa, feita de alumbramentos solitários, correspondências virtuais e animadas conversas de botequim, trará resultados mais alentadores que a indiferença da maioria.
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