quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Analogia involuntária


Ontem assisti, no noticiário da Globonews, a uma reportagem sobre as vítimas da chuva em São Paulo. Gente muito pobre, que só tem uma escolha: aquele barraco sob o morro ou a rua. Enquanto acompanhava o trabalho de resgate dos corpos, li de relance os letterings na parte inferior do vídeo, que listavam as outras notícias do dia. Falavam dos desdobramentos do escarcéu envolvendo José Roberto Arruda e sua corja em Brasília. A princípio, imagem e texto pareciam assuntos estanques, desprovidos de qualquer conexão: um desmoronamento numa zona miserável da maior cidade do país e um escândalo numa zona riquíssima da capital desse mesmo país.

Mas depois me dei conta de que estava diante de uma analogia involuntária. Os dois episódios eram na verdade faces distintas de uma única desdita, uma como conseqüência da outra e vice-versa, por mais que seja difícil identificar semelhanças entre um canalha bem vestido com cara de bobo e um homem de roupas puídas que acaba de perder a família. Na minha cabeça, as imagens mostrando a tragédia e os letterings relatando o escândalo adquiriram a dimensão de um melancólico filme estrangeiro com legenda em português. Um traduzia perfeitamente o outro. O dinheiro que faltava ao catador de lixo para fugir daquele barraco e se instalar num lugar menos arriscado sobrava na meia do político abjeto. Tudo isso torna a analogia ainda mais perversa, mas é pouco para explicar por que, mesmo com imagens tão nítidas e legendas tão elucidativas se sucedendo à nossa frente, permanecemos impassíveis, incapazes de compreender o que se passa nesse filme de quinta categoria que não acaba nunca.

2 comentários:

claudio cordeiro disse...

Caro Paulo
É o naufrágio pefelê, aqui em Sampa chove água, lá em BSB chove dinheiro ! (não que uma coisa exclua a outra, bem entendido)

Paulo Sales disse...

É verdade. Mas o pefelê infelizmente não detém a exclusividade do naufrágio. Ele está espalhado por toda classe política.
abs