Nos últimos dois ou três meses minha atenção teve um só objeto, como a obsessão de um esquizofrênico. Lia, trabalhava, assistia a um filme, mas invariavelmente um sopro de angústia teimava em se fazer presente, a recordar que meu time, aquele que veste vermelho e preto e movimenta 39 milhões de pessoas no país inteiro, podia chegar lá, à medida que ia pondo por terra seus adversários um a um. Uma compulsão meio tola, dirão alguns, ou um gasto desnecessário de energia, na opinião de outros. Talvez porque não entendam que, aos 39 anos, eu ainda conserve a derradeira chama do garotinho de 10 que viu seu time ser campeão brasileiro pela primeira vez – a primeira de um total de seis conquistas – ao vencer o Atlético Mineiro por 3 a 2 num Maracanã abarrotado.
No último domingo, o garotinho voltou a aparecer, e confesso que por um breve momento ele chorou dentro de mim. E eu chorei com ele. Porque não tinha mais meu pai para abraçar, como tive nas cinco conquistas anteriores. E porque tinha agora minha filha ao meu lado assistindo comigo, também ela ansiosa, à nossa última batalha, vencida com dificuldade por 2 a 1 contra o Grêmio, adversário tradicionalmente traiçoeiro. De virada, com um gol heróico de um zagueiro cearense, de origem pobre e índole rara, chamado Ronaldo Angelim. Voltamos a ser campeões nacionais, enfim, 17 anos depois. Voltamos ao topo.
Quando o Flamengo conquistou seu último título brasileiro, eu tinha 22 anos e estava em Porto Seguro, a primeira das muitas escalas que me levariam ao sul do Brasil, numa viagem marcada pela solidão e a ausência de rumo. Liguei para meu pai e ele já tinha saído, mas na verdade tínhamos conquistado a taça na partida anterior, quando derrotamos o Botafogo por 3 a 0, e aquele segundo jogo era quase uma formalidade, desde que jogássemos com tranqüilidade e não deixássemos a vantagem se evaporar. Também lembro nitidamente da terceira conquista, um 3 a 0 sobre o Santos, quando Adílio marcou o terceiro de peixinho e meu pai levantou da cama onde assistíamos ao jogo, vestiu o manto sagrado e me chamou para abraçá-lo. Coisas assim não se esquece. Como não se esquece um time que ressurgiu da lama e, liderado por três gladiadores de boa cepa, Andrade, Adriano e Petkovic, conquistou o sexto título da nossa história. O primeiro sem meu pai. O primeiro com minha filha.
4 comentários:
Sou vascaíno, Paulo, mas me emocionei este ano com o Fla. Dava gosto de ver as partidas, a trajetória. E deu gosto de ler este post. Tá lindo. Beijo carinhoso.
Obrigado, João.
Grande abraço.
Caro, me lembro muito bem como foi aquele sensacional Fla 3 x 2 Galo, com a mítica presença do craque Reinaldo. Talvez lá tenha nascido minha aversão ao mengo, que só aumentou qdo o meu peixe tomou de três na final de 83, o Santos q tinha um grande time e no ano seguinte seria campeão paulista em grande estilo. Como consolo para as derrotas do galo e peixe só pensando que perdemos não pra um time, mas pra uma seleção, afinal Leandro, Mozer, Junior, Andrade, Adílio, Zico, Lico e ainda Arnaldo Cezar Coelho e José Roberto Wright .... Mas agora torci por vcs, na verdade mais pela derrota de uns e curti o desenlace. E aproveitem, que a Libertadores de 2010 tá uma baba do quiabo, sem Boca, River e LDU.
Boas lembranças, Claudião. Só discordo quando você cita os juízes. Pelo que me lembro, a final contra o Santos foi limpa, um 3 a 0 incontestável, e o jogo em que J.R. Wright interferiu - roubou mesmo - não foi a final do Brasileiro contra o Galo, e sim uma partida extra pela Libertadores entre os dois times, quando saiu expulsando do nada um monte de jogadores do Atlético. Fico meio irritado quando ouço que o Flamengo só ganhou este último título porque o Corinthians e o Grêmio facilitaram. Mas faz parte. E a Libertadores, com São Paulo, Corinthians, Inter e Cruzeiro, vai ser pauleira.
Grande abraço, meu velho, e continue aparecendo por aqui.
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