Um dos clichês mais utilizados por repórteres e críticos, quando analisam determinada obra de arte, é afirmar de forma categórica que as pessoas podem amar ou odiar essa obra, mas jamais ficarão indiferentes a ela. Esta semana terminei um romance de Manuel Puig, chamado The Buenos Aires Affair. No verso do livro, o escritor Eric Nepomuceno sentencia: “Para alguns, The Buenos Aires affair é o melhor de todos os romances de Manuel Puig. Há, é claro, os que discordam. O que não há é quem passe indiferente por estas páginas”. Por que não? O curioso é que o livro me provocou justamente uma incômoda sensação de indiferença. Não o odiei, muito menos o adorei, e é bem provável que o seu conteúdo esteja apagado da minha memória daqui a alguns anos. Pode ser um defeito meu, é claro. Afinal, a indiferença vem se manifestando em mim de diversas formas, seja quando assisto a programas da TV aberta ou folheio revistas de celebridades nas salas de espera dos consultórios médicos. Ou, mais ainda, quando escuto conversas alheias, de pessoas conhecidas ou não, sobre assuntos que não me despertam o menor interesse.
Mas creio que o problema é mais amplo e não se restringe a mim. Norman Mailer já disse que o “estado natural do homem do século 20 é a angústia”. É possível que o homem do século 21 padeça de um mal ainda mais grave, pois a indiferença traz consigo o tédio, o enfado, a apatia e uma desconfortável sensação de impotência. O mundo me parece anestesiado. Ao contrário do clichê, pouco se ama ou se odeia nos dias de hoje, restando apenas o pensamento entorpecido. Não há causas pelas quais lutar, além da causa própria. Não há limites para a estupidez ou para a violência, seja ela de cunho social, religioso ou político. Pensar diferente é quase um sacrilégio, e assistimos a uma ditadura do consenso, do compadrio, da falta de assunto para além das platitudes e, o mais grave, do horror ao outro. O princípio da alteridade soa como latim – uma coisa antiga, chata, fora de moda – aos ouvidos de gente que não enxerga diferentes grupos sociais e raciais como seres da sua espécie. A história ensina que sociedades assim são ambientes propícios ao aparecimento de ovos de serpente. Há pouco menos de um século, vimos algo parecido: uma pequena serpente peçonhenta rastejando num limbo moral até ascender sem resistência ao poder máximo de um país culto, industrializado e com um ódio latente camuflado pela indiferença. Deu no que deu.
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