Com raras exceções, nas quais o exibicionismo se sobrepõe ao prazer, a prática do sexo é uma atividade íntima, feita em espaços fechados, ocupados apenas por quem protagoniza o ato sexual. O que você faz nesse espaço diz respeito a você e à pessoa com quem se relaciona, desde, é claro, que se trate de uma relação consensual entre adultos. Por tudo isso, não consigo compreender a obsessiva onipresença do sexo nas relações sociais – e, principalmente, os preconceitos que decorrem dessa onipresença. Cada um busca sua forma particular de alcançar o prazer, seja buscando posições inusitadas ou realizando fantasias mais ou menos ortodoxas, mas tudo isso pertence ao território sagrado do indivíduo. Por que, então, a sociedade, a justiça e as religiões interferem tanto no julgamento de um ato meramente privado, sem qualquer intromissão significativa no coletivo?
Todas essas questões me vieram à mente quando assisti ao filme A Single Man. Mais precisamente, à cena em que o professor vivido por Colin Firth recebe por telefone a notícia da morte do companheiro, num acidente de carro. Enquanto seu mundo desaba em silêncio ali naquela poltrona, ele ouve do interlocutor – um membro da família do rapaz que teve a delicadeza de avisá-lo do desastre – que sua presença não é desejada no enterro, restrito aos familiares. É mais um exemplo do coletivo se sobrepondo ao individual. O relacionamento gay do filho morto não era aceito pela família, por mais sólido e afetuoso que fosse esse relacionamento. Em nenhum momento, o sentimento do indivíduo – no caso, o do rapaz e do seu companheiro – foi posto em pauta. Afinal, havia provavelmente um sobrenome a zelar. Restou ao personagem de Firth se enclausurar em si mesmo, fechando-se para o mundo exterior.
Como ele, milhares de homens e mulheres têm suas rotinas devassadas, ridicularizadas e perseguidas por algo que fazem longe da vista de todo mundo, numa espécie de totalitarismo social. O sexo deixa de ser íntimo para se tornar um fardo público, condenado por autoridades, padres (que curiosamente praticam o que condenam, só que com crianças) e civilizações incapazes de enxergar legitimidade numa relação que não ousa dizer o nome. Daí ser tão difícil para um jovem homossexual se manifestar abertamente, seja no trabalho, na escola e sobretudo em casa. E daí haver nos relacionamentos com pessoas do mesmo sexo muito mais afeto e solidez do que com seus familiares, que na maioria dos casos os renegam.
Tenho amigos gays e imagino o peso que devem ter sentido em determinado momento de suas vidas. A revelação da sua condição, a necessidade de manter a auto-estima na superfície para não sucumbir. Como se fôssemos autômatos, é exigido de nós um comportamento padrão, sem matizes. Temos, os do sexo masculino, que nos comportar como machos em tempo integral, sacanear os tipos delicados, propagar nossas conquistas amorosas, cuspir no chão, coçar o saco, ser a personificação de um estereótipo. Ser diferente é decolar na neblina sem o auxílio de instrumentos. Oscar Wilde apodreceu na prisão por conta de seu escandaloso caso com um jovem herdeiro. Thomas Mann tomava banhos com água fervendo para mitigar o desejo que aflorava. Já Mario de Andrade, segundo dizem, jamais conseguiu concretizar fisicamente a sua condição homossexual. Se para eles – intelectuais e cosmopolitas – foi difícil, imagine para um rapaz da periferia, cansado dos safanões na escola, das gozações dos vigias, do olhar desaprovador dos pais. Tudo isso por algo que ninguém vê, só imagina.
5 comentários:
Ótimo texto, e que belo título!
Mais uma vez o mesmo assunto nos prende a atenção.
Essa questão me interessa sobremaneira, na medida em que NÃO me interessa como cada um obtém prazer e amor.
Um outro blog de que gosto bastante tem tocado no assunto, especialmente pelo viés jurídico, acho que você vai gostar de conhecer:
http://robertomarinhoguimaraes.blogspot.com
bjo
Obrigado, Nina. Vou dar uma olhada no blog. Fico incomodado com a patrulha diária que todos nós sofremos, seja no ambiente de trabalho ou em família. Imagine os que precisam decolar na neblina. É complicado.
Um beijo.
p.s. - Tenho acompanhado seus textos. Estão mais sombrios, e mais bonitos e profundos também.
Paulo,
Estou mesmo, nessa fase reflexiva. Visitando meus lugares escuros. Porém sempre acreditando encontrar a luz.
Bjo
Ótima seqüência de textos! Abs
Valeu. Apareça sempre.
abs
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