A prostração causada pela virose que nos últimos dias atacou o meu corpo – e também o de minha filha, que precisou ser internada e só saiu do hospital hoje – me deixou quase fora das trincheiras. Exaurido, com o corpo à beira da ruína, precisei conciliar a atenção a ela com os compromissos no trabalho e a irritação no trânsito de uma cidade que parece estar à beira de um colapso. E foi assim que vi, do alto de minha insignificância, notícias que desvelam o país em que vivemos. Em Fortaleza, um policial atirou contra um pai e seu filho numa moto, durante uma blitz. A alegação: eles não pararam o veículo. Ao policial, não ocorreu a possibilidade de que poderiam não ter visto ou ouvido a abordagem. O tiro matou o adolescente e o pai passou um bom tempo deitado no chão, abraçado sobre o seu cadáver. Como diria Zé Geraldo, essa dor doeu mais forte.
O caso em Fortaleza teve repercussão pequena na imprensa porque, no mesmo período, o filho da atriz Cissa Guimarães morreu atropelado enquanto andava de skate num túnel interditado no Rio de Janeiro. O mais absurdo nesse caso (menos, é claro, do que a morte em si) foi o fato de que um policial subornou o atropelador e o liberou em seguida (fato que lembrou muito aquele ocorrido com o criador do Afroreggae, deixado à míngua enquanto os policiais liberavam o ladrão em troca do tênis do morto – afinal, não ocorreu a eles que uma vida vale mais que um tênis). Em Goiás, a justiça libertou, por conta da progressão da pena, um homem que havia matado a esposa, grávida de sete meses, e a enteada, de cinco anos. De novo em liberdade, o rapaz matou seis mulheres. Não ocorreu aos peritos e juízes responsáveis que um homem que comete crime tão brutal não merece a liberdade.
Nos três casos acima, entidades e profissionais encarregados de proteger os cidadãos tiveram participação ativa no extermínio deles – atingindo o grau máximo no caso de Fortaleza. A mim, não cabe propor soluções para acabar com essa incompetência endêmica ou tecer comentários que tentem elucidar por que chegamos a um nível tão abissal de falência moral. Enquanto o vírus vai lentamente indo embora do meu corpo, o que permanece é o pasmo, mas também um enfado resignado. Por perceber que, no Brasil, a estupidez e a brutalidade são enfermidades sem cura.
2 comentários:
Caro Paulo,
Você foi absolutamente preciso, lúcido e doloroso em seu texto...
Estimo melhoras, para você, para sua menina, e para nós todos.
Beijo
Obrigado, Nina. Pelos elogios e pelo carinho.
Beijo.
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