quarta-feira, 14 de julho de 2010

Território inalcançável


“A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos não é o que vemos, senão o que somos.”

Fernando Pessoa


Aos 20 anos eu disse a mim mesmo que conheceria o mundo com meus próprios olhos. Como um jovem violeiro vindo do nada e ávido por tudo, eu seguiria em frente, conhecendo as manhas e as manhãs, o sabor das massas e das maçãs. Afinal, não queria ter para mim apenas o mundo visto através da retina dos meus autores preferidos. Sabia que Paris, aos meus olhos, seria bem diferente daquela festa móvel presenciada por Hemingway, ou que a América decantada por Kerouac não estaria disponível para a minha vista míope.

O tempo passou e viajei muito menos do que gostaria. Não perdi países, como diria Pessoa. A maturidade, os compromissos e a grana curta não permitiram que me lançasse ao mundo. Hoje tenho 40 anos e não conheço a Europa. Conheço bem o Brasil, conheço alguns países da América do Sul, conheço os Estados Unidos... mas a Europa permanece incólume ao meu olhar e à minha compreensão, como um livro escrito em mandarim. Não falo, aqui, da Europa rápida e superficial das excursões para turistas, cheia de japoneses com câmeras de última geração ou brasileiros mal-educados. Mas sim a Europa insondável, que se esconde nas vielas de uma cidade da qual nem sei o nome.

Sinto saudade do pinot noir que não bebi, acompanhado de uma tábua de queijos, em alguma estalagem numa pequena cidade medieval do interior da França. Saudade de algum entardecer à beira do Mediterrâneo, visto do alto de um penhasco, na costa italiana. Ou do charuto que jamais fumei, comprado numa antiga tabacaria em Lisboa, talvez a mesma que Pessoa (de novo ele) freqüentou em outros tempos. É uma nostalgia que incomoda, por não vir acompanhada de lembranças verdadeiras, mas sim de relatos que fui colecionando ao longo dos anos. Como o replicante de um filme de Ridley Scott, eu me valho de memórias alheias, que num primeiro momento até parecem verdadeiras, mas ao final deixam na boca um retrogosto frustrante.

Sei que basta planejar com antecedência, economizar alguns euros, estar com o passaporte válido e bon voyage. Mas os anos passam, outros compromissos aparecem e lá continua ela, do outro lado do Atlântico, quase tão velha quanto a civilização humana e inalcançável quanto uma montanha do Himalaia. Mas quem sabe um dia me lanço ao ar, fazendo o caminho inverso dos conquistadores portugueses que um dia lançaram-se às águas, e conquisto enfim a minha Europa particular, o meu território de sonhos represados e jamais esquecidos.

2 comentários:

Ricardo Ballarine disse...

Temos tempo ainda, meu caro, temos tempo...

Paulo Sales disse...

Espero que sim, meu velho. Mas a espera já começa a se tornar angústia.
abs