Viajar sempre foi para mim um momento de contemplação e descoberta puramente pessoal, mesmo quando acompanhado. Um momento de buscar novas experiências sensoriais e encantamentos visuais em lugares desconhecidos, enquanto o sagrado se descortinava para mim em situações muitas vezes improváveis. Há duas semanas, e pela primeira vez na vida, não fui o protagonista de minha própria viagem, assumindo apenas o papel de um coadjuvante de luxo. Caso contrário, não teria escolhido uma cidade como Orlando para passar alguns dias de férias. Atendi a um desejo de minha filha, e possivelmente a algum anseio esquecido de mim mesmo, um apelo inconsciente de quando tinha a idade dela e lia compulsivamente as revistinhas de Tio Patinhas, Mickey e Pato Donald. Se não saí encantado dos megaparques incrustrados por toda a cidade (que por sua vez é pouco mais do que um intricado conjunto de cruzamentos de auto-estradas rodeadas de hotéis e cadeias de fast-food) foi porque o calor e uma certa impaciência me impediram. Mas viajar para os Estados Unidos é quase sempre uma experiência gratificante, e invariavelmente uma excelente oportunidade de ver o mundo do ombro de um gigante.
Eles venceram, é fato. Dirigir por suas cidades e rodovias e compartilhar um pouco de sua imponente prosperidade é também uma forma de olhar para o nosso próprio umbigo murcho. Ao conhecer Miami, uma cidade exuberante e profundamente latina, é possível estabelecer paralelos com propostas semelhantes que poderíamos ter aqui (talvez em Salvador ou no Rio). Lá, a riqueza não se mostra como um acinte, mas como algo natural, já que o outro lado da moeda – a pobreza extrema – não dá as caras. Pode parecer uma contradição para os que ainda creem no êxito de uma aventura socialista, mas numa das maiores cidades da maior potência capitalista do globo, a desigualdade é pálida, quase uma miragem. Não estou, é claro, sendo ingênuo a ponto de enxergar apenas virtudes na América, mas seria ainda mais ingênuo se me negasse a percebê-las e saudá-las. Como a civilidade, traduzida numa cortesia permanente com os visitantes e no respeito sagrado às leis, inclusive as do trânsito.
Num texto interessante sobre os EUA, publicado no blog Manual do Executivo Ingênuo, o jornalista Adriano Silva recorre ao conceito anglo-saxão de “trust” para definir as relações entre as pessoas no país. Ou seja, existe um conceito de “comunidade, de confiança mútua entre os cidadãos, de laço social invisível amarrando os indivíduos numa mesma sociedade”. Segundo Adriano (e eu concordo com ele), a América “muito antes de ser uma terra de ninguém, é uma terra de todos – em que cada um, antes de exercer seus direitos, precisa cumprir seus deveres”.
O fato é que, enquanto empobrecíamos irremediavelmente nos anos da ditadura, os Estados Unidos consolidavam as conquistas do welfare state iniciadas nos anos 50 e se beneficiavam do enriquecimento – lícito, embora moralmente questionável – dos anos de guerra, dos quais emergiram como potência máxima. De vez em quando protagonizam tolices, como as aventuras expansionistas e a propensão ao belicismo gratuito, traduzidas à perfeição no amargo legado da era Bush. Mas a verdade é que, ao contrário de nós, eles acertaram muito mais do que erraram.
O fato é que, enquanto empobrecíamos irremediavelmente nos anos da ditadura, os Estados Unidos consolidavam as conquistas do welfare state iniciadas nos anos 50 e se beneficiavam do enriquecimento – lícito, embora moralmente questionável – dos anos de guerra, dos quais emergiram como potência máxima. De vez em quando protagonizam tolices, como as aventuras expansionistas e a propensão ao belicismo gratuito, traduzidas à perfeição no amargo legado da era Bush. Mas a verdade é que, ao contrário de nós, eles acertaram muito mais do que erraram.
Voltando à viagem, creio que me diverti fazendo quase sempre o programa sagrado dos brasileiros que visitam (em quantidade absurda) a Flórida: exaustivos passeios aos parques e compras de eletrônicos e roupas a preços risíveis. Orlando oferece pouco mais do que isso, o que acaba sendo frustrante para quem não sente uma comichão quando se depara com pechinchas ou não se entusiasma com a possibilidade de desafiar a capacidade que o estômago tem de reter os alimentos sob condições adversas (leia-se rodar de cabeça para baixo a velocidades altíssimas ou simular a própria morte numa viagem vertical). Vale a pena, porém, presenciar baleias e golfinhos adestrados proporcionando espetáculos fascinantes (apesar de uma certa grandiloquência cafona tipicamente americana) ou ver de perto tudo aquilo que as revistinhas da Disney deixavam entrever quando amávamos Tio Patinhas e sua turma. Afinal, mesmo um coadjuvante tem direito a seus momentos de enlevo. E valeu a pena, também, comprovar mais uma vez que existem alternativas ao nosso modo de vida, cada vez mais brutalizado, cada vez mais sem sentido.
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