quinta-feira, 2 de setembro de 2010

O mundo sem palavras




Li outro dia uma frase de Mário Quintana que não conhecia: “Os livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas”. É uma bela frase. Mas, em se tratando da sociedade em que vivemos, até que ponto ela é verdadeira? Até que ponto os livros, hoje, mudam as pessoas e, por consequência, o mundo? Não vejo mais uma elite intelectual participando ativamente da formação de milhares de estudantes, trabalhadores ou quem mais se interesse pelo que ela tem a dizer. Ao contrário de outros tempos, não há mais ícones como Sartre ou Camus, que monopolizavam o debate na França, com reverberações no resto do mundo. Nem discussões acaloradas via artigos de jornal, como as que Samuel Wainer, Carlos Lacerda e muitos outros protagonizavam nos míticos anos 50 e eram acompanhadas avidamente.

Hoje, a formação de boa parte da juventude (e não só dela) independe dos livros. Todo o conhecimento acumulado ao longo dos anos passa ao largo das letras, cada vez mais restritas a nichos mais ou menos fechados e que até sofrem certo preconceito. Enquanto a discussão mais freqüente nos meios de comunicação resume-se à possibilidade de os e-books lançarem a pá de cal sobre os livros impressos, o processo mais dramático que vivemos nesse sentido é outro: a ausência de leitores, para além do consumo eventual de best-sellers que elucidam pouco sobre a alma humana. O cinema substituiu a literatura como manancial de cultura e as celebridades substituíram os intelectuais como exemplos a serem seguidos. É um discurso ranzinza? Provavelmente. Mas como as pessoas poderão mudar o mundo se não mudam a si mesmas? Se saem da vida quase tão ocas quanto entraram?

Sei que é um lamento inútil. Ou provavelmente o desalento de quem se deixou levar pelo delírio silencioso das palavras a partir do momento em que elas entraram na minha vida. Desde As Aventuras de Tibicuera (o primeiro título que lembro de ter lido) até A Humilhação (o último que li), foram muitos livros, milhares certamente. E me pergunto quem eu seria sem eles. Quem eu seria sem uma infância acalentada por obras como Viagem ao Mundo Desconhecido, Coração de Onça, A Ilha Perdida e A Máquina do Tempo? Quem eu seria sem uma adolescência povoada pelos livros de García Márquez, Kerouac, Steinbeck e Bukowski? Quem eu seria, mais tarde, sem Hemingway, Fitzgerald, Roth, Somerset Maugham, Sábato, Borges, Sartre e tantos outros que preencheram as lacunas de minhas inquietações? Seria provavelmente um eu mutilado, ainda mais incapaz de compreender e me adequar ao universo que habito.

É claro que mesmo com todos esses livros guardados na mente – com maior ou menor nitidez – eu não serei capaz de mudar o mundo. Meu desassossego é íntimo, e não se traduz em ações práticas: não pegarei em armas, não me tornarei um presidente, não me converterei no messias de uma nova era. A verdade é que, em sua grande maioria, as pessoas que mudam o mundo não foram mudadas pelos livros. Foram mudadas pelo ódio, por interesses privados ou pela necessidade premente de sobrevivência. Nesses casos, as palavras são inúteis, não mais do que pequenas cócegas nos pés da história. Talvez o que Quintana quisesse dizer foi que os livros mudam as pessoas e, por consequência, o SEU mundo. Não o mundo coletivo, essa terra devastada, cheia de som e fúria e sem sentido algum.

4 comentários:

karla disse...

Infelizmente a maioria das pessoas só muda com o sofrimento. E como muitas não sofrem, poucas mudam.....rs Beijos,

Paulo Sales disse...

Oi, Karla
É bem provável que você esteja certa. E é uma pena que seja preciso haver sofrimento para haver mudança.
Beijo.

Bruna Andrade disse...

Um blog tbm muito interessante é o Detalhes Teens, é um grupo de menina que criaram agora por esses tempos. Dê uma olhadinha eu aconselho.

http://detalhesteens.blogspot.com/

Paulo Sales disse...

Obrigado pela dica, Bruna. Vou dar uma olhada, sim.
abs