Gostaria de
escrever alguma coisa sobre Carlos Fuentes, agora que ele acaba de ir embora.
Mas nunca li Carlos Fuentes. Ele se vai sem que eu jamais tenha manifestado o
interesse, em algum momento da minha vida, de ler uma de suas obras, mesmo que
um livro seu, A Morte de Artemio Cruz, habite há um bom tempo a estante de
minha casa, numa edição vagabunda que, ao folhear agora, percebo estar
parcialmente comida por cupins. Nunca li Fuentes, assim como nunca li Octavio
Paz, e só me salvo da absoluta ignorância em relação à literatura mexicana por
ter me embrenhado um dia no imaginário denso e enevoado de Juan Rulfo. O que sei
de Fuentes é o que quase todos sabem. Que foi um intelectual ativo, de opiniões
relevantes e sintonizado com o seu tempo, embora nos últimos anos declarasse em
entrevistas que não reconhecia o mundo ao seu redor.
Mais não sei
e, portanto, não continuarei falando do autor mexicano, e sim de tudo aquilo que
ele simboliza: cultura, revelações e conhecimento, essas coisinhas maçantes que
vivem ocupando nossos cérebros com sucessivos pontos de interrogação. Adquirir
conhecimento é mais ou menos como fabricar abismos. Quanto mais ele nos envolve,
mais nos sentimos na mais completa ignorância do que nos falta conhecer. São como
portas que se abrem eternamente para outras portas, e quanto mais prosseguimos,
mais deixamos para trás a obscuridade, a zona de conforto da ignorância. Certezas
preconcebidas são aos poucos substituídas por dúvidas irremovíveis. Afinal, a
dúvida é uma das matérias-primas primordiais da evolução humana.
Às vezes,
quando estou lendo no meu gabinete, desvio os olhos das páginas e me deparo com
todos aqueles volumes nas prateleiras da parede oposta, com sua aparência
indevassável. Nelas estão os autores que amo, os que admiro sem muito afeto, os
que me decepcionaram e aqueles por conquistar – entre os quais está Carlos
Fuentes. Sei que, entre esses últimos, há livros que não vou ler nunca, assim
como há outros que ainda irão me inundar de fascínio um dia. O que faço é
prosseguir, embora muitas vezes vencido pelo cansaço, outras pela incompreensão.
Tudo isso me faz
lembrar do que Eliane Brum escreveu recentemente em seu blog: “De certo
modo, toda arte é um monumento ao nosso desespero diante da morte. Como se tudo
o que foi criado até hoje documentasse, no fundo, sempre o mesmo desejo
impossível de permanência. É como se todo museu ou biblioteca fosse, na
verdade, uma prova pungente e grandiosa de nosso fracasso”. Pois o processo de
conhecimento (e de autoconhecimento) significa justamente se lançar contra o
abismo da nossa finitude e retirar algo de lá. Assim fazem os criadores e assim
fazemos nós, os que se aprofundam na obra desses criadores. Mas há, também, o
prazer da descoberta, a deliciosa sensação de que algo muito valoroso e único se
descortina para nós, como um segredo muito antigo ou uma visão, ainda que
fugaz, do paraíso. Só isso já vale as dúvidas, os questionamentos e a insustentável
solidão que o conhecimento nos traz.
3 comentários:
Obrigado, Patrícia.
Retribuirei, claro.
Bjs
Prezado Paulo:
Cheguei de forma atípica ao seu espaço. Estava em busca de alguma imagem que ilustrasse meus poemas que sobre o abismo e absurdo. Localizei a imagem e seu blog. Saio gratificado.
Compartilho a visão da biblioteca, dos livros por ler, livros lidos, pelo projeto do Sisifo tão bem revisitado por Camus.
Um grande abraço,
Jorge Elias Neto
Prezado Jorge Elias,
Seja bem-vindo ao blog. Acredito que essa busca por conhecimento tem como efeito colateral aquilo a que jamais teremos acesso, os livros por ler. Cabe a nós aproveitar o tempo que temos para ler as obras que vão mudar o nosso jeito de ver o mundo.
Grande abraço!
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