Algum tempo atrás, conversava com dois casais de vizinhos do prédio onde moro. Papo descontraído e despretensioso, que em dado momento
enveredou para as mazelas cotidianas que enfrentamos em nossa cidade e em nosso
país. Comentei que vivíamos sob vários aspectos uma época de degeneração
social. Um dos meus interlocutores complementou: "O maior problema são
esses gays. Esse negócio de gay em todo lugar, querendo casar, fazer
passeata". Aquilo me assustou, mas em seguida, a moça do outro casal
confirmou o diagnóstico: "É isso mesmo. Uma coisa horrível. Aqui mesmo no
prédio tem duas. Outro dia peguei elas se abraçando na garagem". Tentei
argumentar, dizendo que não me referia a isso quando falava em degeneração
social, acrescentando que para mim o homossexualismo estava longe de ser um
problema, tinha amigos gays, etc. A moça respondeu: "Tenho medo por minha
filha, de ela crescer vendo essas coisas".
O clima pesou um pouco. Naquele momento, percebi que a minha
relação com os casais deveria prosseguir no mesmo grau de superficialidade em
que se mantivera até ali. Um amistoso "boa noite, tudo bem com você?"
na porta do elevador e vida que segue. Ressalto que aceito outras visões de
mundo, mesmo que sejam radicalmente opostas à minha. Aceito até certo ponto os
preconceitos alheios, mesmo porque tenho também os meus, que carrego como um
estorvo. Mas havia, embutida naquelas frases, algo mais grave: uma
não-aceitação de outros seres humanos. Não se tratava apenas de não gostar de
determinado comportamento, mas sim de repudiar a existência de quem pratica tal
comportamento. Pensei de imediato na Alemanha nazista, onde as pessoas eram
mortas não por pensarem, sei lá, que o nazismo era uma estultice qualquer que
não deveria ser levada a sério. Eram mortas porque existiam.
Esse tipo de pensamento expelido durante a conversa poderia
ser apenas resultado de uma forte influência religiosa ou de uma formação moral
um pouco mais rígida. Poderia ter nascido, digamos, da aversão aos trejeitos
festivos que são o clichê comportamental dos gays. Até aí tudo bem. O problema
é que esse tipo de pensamento tem servido para criar um certo conformismo
diante de episódios chocantes. O último deles foi a morte de um rapaz de 22
anos, que estava abraçado ao seu irmão gêmeo e foi espancado por um grupo que
os confundiu com um casal gay. Quando um fato como esse acontece – e acontece com frequência estarrecedora –, há algo de muito errado na sociedade. Uma
sociedade que, em sua maioria, pensa como os meus vizinhos. E que, em uma
parcela bem mais reduzida, age violentamente com base nas mesmas premissas.
É sintomático que o acirramento das manifestações
homofóbicas esteja estreitamente ligado às conquistas recentes dos homossexuais
no terreno dos direitos humanos. Não lembro (e posso estar totalmente enganado
a esse respeito) de casos tão corriqueiros de ataques a gays nas grandes
cidades. Era algo comum em rincões conservadores, com população pequena, mas
não numa Avenida Paulista. Do mesmo modo, nunca soube de nada semelhante ao
projeto de lei do deputado goiano que propõe a legalização da "cura
gay". Claro que não vai passar no Congresso, mas não deixa de ser um
retrocesso e tanto.
É algo que me assusta. Em 42 anos de vida, construí
convicções que foram se sedimentando ou se diluindo enquanto crescia e me
lançava à vida real, para além do mundo ideal da família. Um processo
complicado, no qual você precisa abandonar tolices há muito arraigadas na
consciência e consolidar seu olhar particular sobre o mundo. O preconceito
contra os homossexuais foi uma dessas tolices, deixada de lado à medida que
conhecia obras de grandes autores e conhecia grandes pessoas que tinham como denominador
comum sentir atração e amor por iguais. Hoje, o preconceito – não apenas de sexo, mas também de cor e de classe – me entristece, me exaure, me exaspera. Como andar
contra uma multidão de torcedores do time adversário vindo em sentido contrário.
2 comentários:
Tenho pensado tanto nisso, Paulinho. E não só porque tenho vizinhos assim, e também amigos e pessoas que amo que pensam desse jeitinho mesmo. Mas também porque vejo, principalmente nas redes sociais, amigos que não têm esse tipo de preconceito, mas que reproduzem, em outras áreas, comportamentos tão ou mais preconceituosos. Se eu não acreditasse que, apesar de não parecer, estamos evoluindo, ia ficar com muito medo...
Sim, Socorrinho, é algo que me preocupa também, justamente porque muitas pessoas fazem questão de conservar seus preconceitos, que se tornam bandeiras da sua forma de pensar. E é ainda mais complicado porque esses preconceitos, como você mesma disse, fazem parte de pessoas que gostamos.
Um beijo.
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