segunda-feira, 26 de janeiro de 2009
L’Enfant terrible
Hoje, quando observo minha filha brincar o dia inteiro com as amigas, criando laços de amizade como quem masca um chiclete, percebo o quanto fui uma criança introspectiva e, de certa forma, infeliz. Digo de certa forma porque contei sempre com o afeto irrestrito de meus pais e irmãos, e seria injusto atribuir minha infelicidade a algum fator externo. Mas o sentimento de inadequação e a timidez (gigantesca, ao ponto de mal conseguir sustentá-la nos ombros) fizeram de mim uma criança ensimesmada, com pouquíssimos amigos na escola e nenhum na vizinhança. Passava as tardes brincando com bonequinhos de plástico, conversando com meus passarinhos ou devorando revistinhas em quadrinhos, mais tarde substituídas pelo livros da coleção Vaga-Lume. Quando um colega de sala pedia meu telefone, eu invariavelmente informava o número errado, por temer que algum dia ele resolvesse ligar. Uma vez esqueci de fazer isso, e quase entrei em desespero quando disseram que a ligação era para mim. Por passar tanto tempo sozinho, desenvolvi uma capacidade de abstração que até hoje me acompanha. Dificilmente consigo me manter concentrado em alguma coisa por muito tempo sem que a mente de uma hora para outra comece a divagar, e quando dou por mim estou lendo sem ler ou escutando sem escutar. Só mesmo um cotidiano assim para incutir num garoto de 10 anos o desejo de escrever um livro. Meu primeiro sopro literário, A Ilha dos Bananais era uma história de piratas e índios guerreiros ambientada numa ilha em pleno Alasca. Não me pergunte como poderia haver uma ilha cheia de bananas numa das regiões mais gélidas do planeta. Esse livrinho, originalmente manuscrito, foi transformado por meu pai numa edição datilografada, com capa e tudo, que conservo ainda hoje comigo.
O processo de transição para a adolescência foi ainda mais doloroso. Era muito culto e bem-informado para a minha idade (o que na juventude é um defeito, e não uma virtude), e acabei tendo que “emburrecer” um pouco para me enquadrar em uma ou outra turma. Fiz parte de várias, mas sempre me sentia ou um estranho no ninho ou um peixe fora d’água. Já não dava o telefone errado, mas em compensação os dilemas se tornaram mais complexos, como o processo de seduzir garotas ou a necessidade de mostrar virilidade diante de caras muito mais fortes e safos na arte dos cascudos. Sofri muito, é fato. Acredito, de qualquer forma, que não ficou nenhuma seqüela, embora até hoje tenha a sensação de que o mundo não foi feito para gente como eu. Mas tudo bem, minha filha está me vingando.
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Um comentário:
querido, achei que me inscrevendo a acompanhar seu blog receberia mensagens no meu e-mail...isso não aconteceu e ainda por cima perdi o endereço... mas nossa senhora do google me salvou, encontrei vc novamente. Bom para mim, pois gosto muito de ler seu texto. A ilha dos bananais era um clássico no meu imaginário, motivo de orgulho e até inveja do meu amigo escritor. Engraçado que estes dias percebia como meu enteado (9 anos) se parece com voce, este texto apenas me confirmou. Já minha filha, juntando com Nínive, se vingam por toda nossa geração...
beijos saudosos
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