domingo, 1 de fevereiro de 2009
O clarão e o pipoco
Ontem eu voltava para casa no início da noite, após uma tarde descontraída ao lado de amigos e ex-colegas de jornal. Então, quase ao lado do Iguatemi, vi um motoqueiro meio inquieto alguns metros à minha frente dirigindo em ziguezague, querendo pegar a pista da esquerda. Mas de repente ele voltou para a direita, discutiu com um motorista de táxi que pegava o retorno para o shopping e parou a moto ao lado do acostamento: tirou um revólver do bolso, apontou e atirou. Questão de segundos. Vi o clarão e ouvi o pipoco alto. Em seguida, saiu em disparada, embora não tanto, a ponto de eu ainda conseguir vê-lo bem mais adiante, já na avenida Tancredo Neves. Não sei se acertou o homem no carro ou alguém que passava por ali (hoje pela manhã entrei nos sites dos jornais baianos em busca de alguma notícia, mas encontrei apenas notas sobre os shows “apoteóticos” do Festival de Verão: é a prova inequívoca de que vivemos num idílio eterno). Foi um acontecimento tão rápido que até agora não consigo conter minha perplexidade. Já vira pessoas armadas ameaçando outras em assaltos nas sinaleiras e também já ouvira o barulho de tiroteios, mas nunca presenciei alguém atirando deliberadamente em outra pessoa. O clarão e o pipoco agora soam meio irreais, como se fossem o sonho de uma noite de Verão. O fato é que não fiz nada, não anotei a placa do motoqueiro, não o segui, apenas continuei dirigindo meio no piloto automático até chegar em casa. O que mais me chamou a atenção é que, a não ser que esteja enganado, não se tratava de um assalto. Foi mais uma dessas brigas estúpidas que vemos todos os dias na rua entre imbecis com excesso de testosterona no sangue. E aí me pergunto: o que exatamente aquele sujeito almejava quando apertou o gatilho? Matar um ser humano como ele? Assustá-lo, feri-lo? É curioso como gente assim não mede conseqüências. Parece incapaz de imaginar que uma bala, caso não acerte seu alvo primordial, irá inapelavelmente atrás de outro. Pode ser um muro, uma lataria de carro ou, muito provavelmente, um corpo humano. Quando houve aquele plebiscito sobre o fim ou não do porte de arma por civis, o argumento mais usado pela ala belicista era que não podíamos deixar os cidadãos de bem indefesos, à mercê da bandidagem. Cidadãos de bem? O sujeito que vi ontem poderia muito bem ser enquadrado nessa nobre estirpe, pois não deve – pelo menos a princípio – ter como atividade principal cometer crimes contra o patrimônio alheio. Um país que considera pessoas assim cidadãos de bem (e permite que possam carregar uma arma no bolso) só pode mesmo chegar aonde chegou.
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