quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Fio desencapado


Há alguns dias postei um texto aqui falando do ataque de neonazistas suíços a uma brasileira. Não retiro uma palavra do que disse sobre a necessidade de enterrarmos de vez o cadáver do fascismo, se é que realmente estamos evoluindo (ou queremos evoluir) como civilização. Mas agora deixamos o terreno da xenofobia e do racismo – sobre o qual é possível caminhar, ainda que pantanoso – para nos aventurarmos pelo universo fluido das obsessões humanas. Já é quase certo que Paula Oliveira forjou o ataque, cortou a própria pele, inventou uma gravidez de gêmeos e mentiu em seu depoimento à polícia. Já é quase certo que ela irá se complicar por lá, onde a mídia e a opinião pública se manifestaram de forma tão acalorada quanto aqui. Mas o que fica de tudo isso, mesmo que ainda estejamos no território das suposições, é: quais as motivações de uma mulher de 26 anos, com um bom emprego, legalmente estabelecida em um dos países mais civilizados da Europa, para cometer tamanha sandice? Há certos desvãos na alma humana inalcançáveis para os homens comuns, entre os quais me incluo. Esses recônditos abrigam um grau de complexidade tamanho que pode nos levar para o bem ou para o mal, embora o maniqueísmo seja apenas uma invenção de contornos bíblicos e nós estejamos eternamente nos deslocando por uma sombria zona cinzenta. Não se trata de medo, angústia, ódio, amor, insegurança ou tristeza, mas de uma combinação em proporções exacerbadas de todos esses sentimentos e mais uma dezena de outros que (não sei como) acaba descambando para algum tipo de desequilíbrio. Um dia, algo em nós deixa de funcionar adequadamente e passamos a nos comportar fora dos padrões. Quando nos damos conta, o estrago está feito. Pode ser que eu ou você nunca soframos um desses curtos-circuitos no decorrer da vida. Mas é certo que em alguma gaveta fechada com cadeado lá no nosso íntimo existe um fio desencapado, pronto para causar um estrago.

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