terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

O primeiro hominídeo


O pavor teve início aos 16 anos. Acordava no meio da noite banhado em suor e dizendo a mim mesmo: vou morrer. Não, não padecia de alguma doença grave, nem mesmo de uma frugal tuberculose, doença que minou a vida de milhares de jovens românticos no século 19. O pavor não se referia a uma possibilidade iminente, mas sim a uma certeza, por mais que ainda distante. Descobrir tão novo a extensão da própria finitude pode ser devastador. No meu caso, produziu uma curiosidade mórbida de conhecer e investigar os questionamentos de quem veio antes (e que, na maioria dos casos, já havia ido embora) sobre o assunto. Acabei encontrando ateus em desespero, católicos ansiosos por uma redenção impossível e budistas surpreendentemente serenos. Mas jamais descobri uma resposta ao escavar as belas e desconcertantes reflexões que os grandes poetas e prosadores me legaram ao longo desses anos. Continuei tão sozinho quanto todos aqueles que, um dia, tiveram uma epifania pelo avesso – como um grito para dentro – ao se depararem com a certeza da extinção.
Com o tempo, o pavor se converteu numa resignação atroz, mas várias vezes, na noite alta, ainda digo a mim mesmo: vou morrer. A diferença é que agora meu tempo de vida sobre a Terra é ainda menor. Mas fazer o quê? Ter plena consciência de que um dia cessaremos e que o planeta continuará placidamente o seu curso não me fez mais inteligente ou mais preparado para o futuro, pelo contrário. Ao menos, tento compreender o que exatamente significa o ponto final. O que sei é que não conseguimos nos despregar do nosso corpo. Ele é como uma carapaça solidamente fixada à nossa alma por alguma membrana invulnerável, sem a qual é impossível seguir vivendo. É por meio dessa membrana invisível que recebemos os estímulos vitais: o conhecimento, o aprendizado pelos sentidos, o medo. Somos como animais que habitam conchas: sem elas é impossível sobreviver mais que alguns segundos no meio ambiente. Quando vemos um morto, vemos uma pessoa dormindo. Só que é um sono sem sonhos. Tudo cessa por dentro daquela couraça de pele e pêlos, à exceção das bactérias que se reproduzem à profusão no estômago e no intestino. Verissimo escreveu – ou reproduziu a frase de alguém, não lembro – que nossa morte é um evento para os outros, não para nós. Ou seja: não estaremos aqui (ou em algum outro lugar, muito menos num camarote celestial) para presenciar as lágrimas sinceras, os comentários condoídos, os pêsames formais, e depois a caminhada, a terra ao lado do buraco, o barulho dela caindo no caixão, a volta para casa sem nós. Tudo isso, variando apenas a forma, é fato. Muitos se conformam, outros celebram a passagem para um plano superior, e alguns poucos sentem no íntimo aquela dor primordial, quase uma asfixia, que deve ter afligido o primeiro hominídeo quando ele se deu conta de que a pessoa que vivia ao seu lado não acordaria nunca mais. E que ele, um dia, também não acordaria.

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