Às vezes basta uma ironia involuntária para nos darmos conta de um absurdo crucial da condição humana: o abismo que separa nossas conquistas – sejam elas intelectuais, científicas ou artísticas – das nossas desditas cotidianas. Ao ler a Folha de S.Paulo de ontem, me deparei com uma esclarecedora reportagem sobre o caos político que vem minando a vida de milhares de civis no Sri Lanka, país de nome exótico situado ao sul da Índia. Multidões morrendo de inanição ou bombardeio, fugindo em massa para se instalar de forma precária em barracos improvisados, enquanto o governo local e o grupo rebelde Tigres Tâmeis se flagelam num ritual antropofágico movido a minas terrestres, submetralhadoras e ataques suicidas. E, justamente na página seguinte (daí a ironia involuntária a que me referi no início), encontro uma matéria sobre o conserto do telescópio espacial Hubble, aquele que nos traz imagens comoventes dos confins do universo. Olhei agora para o céu limpo, no qual desponta um resto de lua minguante já caminhando para oeste, e tentei imaginar onde, no meio dessa vastidão escura, estaria ele, orbitando a Terra a 559 km de altitude. O Hubble é uma obra-prima da ciência, com suas imagens que viajam até o princípio do mundo para que nós, aqui nesta bola de gude celestial, possamos compreender – ou ao menos esboçar uma teoria plausível – de onde viemos, quem somos e para onde vamos. E aqui entra a seguinte questão: se chegamos tão longe, não poderíamos chegar tão perto? Não poderíamos ter um outro Hubble, tão potente e tecnologicamente sofisticado quanto o primeiro, só que direcionado para as entranhas do que chamamos civilização? Um Hubble que em vez da Nebulosa da Águia mirasse o Sri Lanka? Ou o Haiti? Ou o Sudão?
Não há nenhuma novidade em estabelecer, como faço agora, um paralelo crítico entre a nossa evolução científica e o nosso malogro social. Mas não é sintomático que o passar do tempo não nos tenha trazido sequer um arrefecimento das nossas desgraças? Neil Armstrong e o garotinho sem uma perna no campo de refugiados de Vavuniya pertencem à mesma espécie? Se pertencem, então de que forma o pequeno passo dado pelo primeiro ao pisar na Lua representou um salto gigantesco para a humanidade, o segundo aí incluído? A verdade é que dois mundos distintos e estanques convivem lado a lado, como em outros tempos conviveram o homo sapiens e o homem de Neanderthal. Se o Hubble estacionado a 500 km do solo representa o nosso roçar primevo e ainda incipiente numa realidade de ficção-científica, o Sri Lanka nos lança de volta à pré-história. Talvez Stanley Kubrick quisesse dizer exatamente isso quando seu hominídeo arremessou o osso rumo ao céu e ele se transformou em espaçonave. Ou seja, que passado e futuro são apenas simulacros grosseiros um do outro, refletindo, cada um a seu modo, o nosso fracasso como espécie. Sinceramente, não sei se é por aí. Sei apenas, do alto da minha insipiência, que um dia o sol vai explodir, sugando tudo ao redor, inclusive as cidades, guerras, anéis de ouro, televisões de plasma, telescópios espaciais e garotos famintos. E passado e futuro vão pertencer à mesma massa amorfa da eternidade, como ingredientes de um bolo já ingerido.
Não há nenhuma novidade em estabelecer, como faço agora, um paralelo crítico entre a nossa evolução científica e o nosso malogro social. Mas não é sintomático que o passar do tempo não nos tenha trazido sequer um arrefecimento das nossas desgraças? Neil Armstrong e o garotinho sem uma perna no campo de refugiados de Vavuniya pertencem à mesma espécie? Se pertencem, então de que forma o pequeno passo dado pelo primeiro ao pisar na Lua representou um salto gigantesco para a humanidade, o segundo aí incluído? A verdade é que dois mundos distintos e estanques convivem lado a lado, como em outros tempos conviveram o homo sapiens e o homem de Neanderthal. Se o Hubble estacionado a 500 km do solo representa o nosso roçar primevo e ainda incipiente numa realidade de ficção-científica, o Sri Lanka nos lança de volta à pré-história. Talvez Stanley Kubrick quisesse dizer exatamente isso quando seu hominídeo arremessou o osso rumo ao céu e ele se transformou em espaçonave. Ou seja, que passado e futuro são apenas simulacros grosseiros um do outro, refletindo, cada um a seu modo, o nosso fracasso como espécie. Sinceramente, não sei se é por aí. Sei apenas, do alto da minha insipiência, que um dia o sol vai explodir, sugando tudo ao redor, inclusive as cidades, guerras, anéis de ouro, televisões de plasma, telescópios espaciais e garotos famintos. E passado e futuro vão pertencer à mesma massa amorfa da eternidade, como ingredientes de um bolo já ingerido.
3 comentários:
O mundo (humano) me parece ser alimentado pelos extremos e incongruências. Temos o raciocínio mas ainda estamos em fase de testes. E ainda vamos ficar por muito tempo.
Pegue se Hubble e aponte pra cima. Infelizmente é melhor do que olhar ao redor. A dor é inevitável. O sofrimento é opcional.
... E não é que tenho, eu também, um post com este título exato?
http://meninadecachos.blogspot.com/2009/05/tao-longe-tao-perto.html
(U2 ou Wim Wenders?)
Vou dar uma olhada.
bjs
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