Nunca a passagem do tempo se manifestou de forma tão cristalina para mim quanto nos dias que antecederam a chegada dos meus 40 anos, completados hoje. É como se o meu corpo tivesse tomado consciência do que essa idade representa – socialmente, culturalmente e fisicamente – e resolvesse então mandar o seu cartão de visitas. Ao tirar a pressão durante um exame de rotina, tomei conhecimento de um malévolo plano de ataque preparado pelo meu corpo contra mim. Minha pressão estava altíssima (em fatídicos 16 x 11) sem que eu sentisse qualquer sintoma, e é bem possível que, caso não tivesse descoberto a tempo, o exército inimigo teria conseguido desferir o ataque na forma de um derrame, um infarto ou um aneurisma.
Fiquei assustado. E pela primeira vez me dei conta de que meu corpo não é necessariamente um aliado nesta minha breve trajetória pelo planeta. Ele pode, sim, acabar comigo de uma hora para outra. Agora mesmo, neste momento em que escrevo, algumas células podem estar conspirando para formar um carcinoma em algum órgão vital. Ou um pelotão de placas de gordura pode estar se preparando para encarar o front das paredes de minhas artérias. Enfim, sou habitado por uma leva de traidores. Só espero conseguir ir vencendo uma por uma as batalhas futuras que me esperam a partir de agora, quando começo a descer lentamente a montanha, como um soldado em retirada. A guerra, é claro, sei que não vou vencer, mas aí seria querer demais. O importante é que cada vitória será comemorada com um belo vinho, muitos carinhos e alguns passeios tranqüilos por lugares que gosto. Afinal, o meu hedonismo, ao contrário da minha pressão, continua intacto.
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“Agora que a velhice começa, preciso aprender com o vinho a melhorar envelhecendo e, sobretudo, a escapar do terrível perigo de, envelhecendo, virar vinagre.”
Dom Helder Câmara
11 comentários:
Grande PH, parabéns, meu caro. 40 anos, e pensar que logo ali a gente estava tentando escrever numa sala de aula apertada, no alto da Paulista. Os 40 ainda demoram uns três meses para mim, mas a sua aura já me ronda. Espero que esteja bem de saúde. No mais, beba seu bom vinho.
Um abraço
Ricardo
Obrigado, meu velho.
É verdade, logo ali. Aqueles corredores da Cásper, os professores chatos e os legais e, principalmente, o Puppy nos esperando lá embaixo (a mim mais do que a você). A saúde está controlada, mas foi uma coisa meio simbólica, um ritual de iniciação.
E. claro, vou beber meu vinho.
Abração.
E vá se preparando para o dia 23 de maio (é isso, não?)
É isso mesmo, 23/5, o próximo ritual de iniciação...
Ah, li "Animal agonizante", Philip Roth. Gostei, acho apenas que ele se dispersou um pouco, apesar do texto curto. Vou mergulhar no "Homem comum" agora. Fazia tempo que não lia Roth, mais de década - o último foi "Pastoral americana".
Não sou muito fã desse livro. Acho que às vezes Roth se embrenha demais no universo da sexualidade e acaba ficando monótono (o maior exemplo disso pra mim é Portnoy). Já Homem Comum tem o tom certo e as reflexões sobre o ocaso são primorosas. Tomara que você goste. Pastoral americana é maravilhoso. Até hoje a angústia de Sueco Levov com relação a sua filha me causa um aperto no coração.
abração, meu velho.
Paulinho, em visita ao seu blog, fiquei surpresa com a notícia de pressão alta. Se cuida!!! Quanto aos 40 anos, aproveite a vida (como acredito que saiba fazer), pois os anos passam rápido demais... Grande abraço, Najara
Valeu, Najarinha. Já estou me cuidando. E, dentro do possível, aproveitando a vida também.
beijão
Fala, Paulao! Feliz aniversario atrasado, velhao!
E vê se começa a fazer algum exercicio fisico. hehehe Sem precisar deixar a cachaça (no seu caso o vinho) de lado.
Abs
M
Valeu, Pantikolo.
Claro, uma nova vida começa agora. É se cuidar e curtir.
abração
Paulo: grande post! Eu, portador de meus quase 47 anos e mais de duas centenas resistindo em meu índice de colesterol, me compadeço e me irmano a você. E digo: os quarenta são uma fronteira difícil de ultrapassar, mas necessária para se chegar longe - aos 100, quem sabe...
Suas palavras são alentadoras, João. Se eu conseguir levar só uns 40 anos para chegar ao pé da montanha já me dou por satisfeito.
Abração.
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