Não interessa qual o ganho econômico da aproximação do governo brasileiro com o Irã de Mahmoud Ahmadinejad. Não importa se o Brasil pretende se posicionar de forma definitiva como protagonista da nova geopolítica mundial nessa época tão sombria, e a partir desse desejo – legítimo e até necessário – começar a marcar posição, como fez anteriormente em Honduras, primeiro com inteligência e depois de forma equivocada. Enfim, não se fala, aqui, de acordos vantajosos ou de escolhas estratégicas. Mas sim de consciência – incluindo a minha, a sua e a de qualquer outra pessoa que se envergonhe de ver seu país dialogando com a barbárie. Pois o fato é que existe algo de muito grave em apertar a mão de um homicida e travar com ele diálogos amistosos, como se fosse uma conversa descontraída no sofá com um parente que há muito não se vê. Aconselhado ou não por Celso Amorim, Lula comete esse equívoco com objetivos que não são meramente pragmáticos, afinal há parceiros comerciais muito mais atraentes para nós que o Irã e causas menos espinhosas para meter a colher. Qual o seu objetivo então? É possível que, assim como se aproximou de Hugo Chávez (do qual agora se afasta timidamente), o presidente brasileiro enxergue no similar iraniano um ícone de uma nova esquerda, mais sintonizada com a urgência do século 21 e com a mudança de peças no tabuleiro do planeta. Mas…
Mas que resquício de esquerda pode ser encontrado num homem e num regime que negam veementemente o Holocausto cometido pela Alemanha nazista contra o povo judeu e pregam a eliminação de Israel do mapa? Ao tentar reescrever a história a qualquer custo, limando a maior tragédia já cometida pelo homem contra si mesmo, Ahmadinejad faz pilhéria do sofrimento alheio e compactua com o mais estúpido, insano e perverso líder que a direita já produziu, e olhe que não faltam candidatos ao título. Se há algo no presidente iraniano que o aproxima da esquerda é seu esforço tirânico de executar opositores, reprimir o livre-arbítrio e varrer do seu território empobrecido qualquer espécie de contestação. Ou seja, Ahmadinejad é feito de matérias-primas tão semelhantes e ao mesmo tempo tão distintas quanto Hitler e Stálin, e como eles é uma escória humana, estulta e belicista, situada nos dois extremos do pensamento político.
Ganhadora do Prêmio Nobel da Paz em 2003, a iraniana Shirin Ebadi foi enfática ao falar da aproximação entre Lula e Ahmadinejad numa entrevista ao Estado, publicada em janeiro: “Será que o povo brasileiro sabe o que o governo iraniano faz nas ruas ou às escondidas? Será que não se pergunta por que seu governo despreza as violações dos direitos humanos no Irã? Me entristeceu muito ver o presidente Lula reconhecer publicamente a vitória de Ahmadinejad para um segundo mandato tão rapidamente. Como pôde fazer isso? Como seu presidente pode se unir a um governo que tortura e mata seus estudantes e jovens, sua gente nas prisões, oponentes e minorias? Lula não deveria fazer amizade com governos criminosos”. É um apelo sem meias-palavras, feito por uma mulher que sente cotidianamente na pele os efeitos colaterais de se opor ao presidente iraniano.
Mais: esse apelo deixa entrever o caminho que deveria ser trilhado pela política externa brasileira. Afinal, uma nação que se candidata a ser algo mais que um opaco coadjuvante na superaquecida máquina do mundo precisa aprender a apontar as feridas, sejam elas próprias ou alheias. Condenar, por exemplo, o ímpeto armamentista dos americanos, israelenses e russos ou a violação dos direitos humanos na China, Venezuela, Paquistão e, claro, Brasil. No caso do Irã, a situação é ainda mais grave por se tratar de um país que ambiciona a bomba nuclear. Aproximar-se hoje de Ahmadinejad pode significar amanhã uma incômoda cumplicidade com um novo holocausto. Nós, brasileiros, não merecemos carregar mais esse estorvo.
2 comentários:
Eu, e acho que a grande maioria dos brasileiros com um mínimo de discernimento, não entende a política externa do PT. Agora não dá pra pra entender também é o Lula recebendo o prêmio de estadista do ano pela comunidade internacional. Ainda bem que ele não foi receber o prêmio,dessa forma nos poupou de ouvir mais besteiras.
abraço
O que mais me incomoda nessa história toda é o quanto essa aproximação é desnecessária, como se quiséssemos marcar posição no vazio. Acho até que o governo Lula tem méritos inquestionáveis, mas o prêmio é tão sem sentido quanto o Nobel da Paz para Obama, mesmo com toda renovação que ele trouxe para os EUA e o mundo. E de quebra ainda vem o Marco Aurélio Garcia falar aquela asneira sobre a TV a cabo. Para quê? Gentinha de cabeça pequena essa.
grande abraço, meu caro.
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