Não lembro quem disse que o tempo é a matéria-prima da qual somos feitos, mas concordo com ele. Os sulcos, sinais e cabelos brancos que ostentamos no rosto e no corpo nascem da exposição contínua às intempéries, assim como as rochas são esculpidas pela ação do vento, do sol e das chuvas. Com uma diferença: em nós, as intempéries são internas. Brotam de dentro para fora, e com o passar dos anos as erosões em nossa mente se propagam como metástases, atingindo o invólucro. É inevitável, embora varie de pessoa para pessoa. Por isso não nos reconhecemos nas fotos antigas, naqueles sorrisos de uma malícia inocente ou no olhar sério que valida uma tomada de posição. Folheio meu álbum de viagens de vinte anos atrás e minhas lembranças me levam até lá, àquele momento que guardei para a posteridade – uma posteridade fugaz, diga-se. Mas onde está o homem que sou hoje naquele rapaz de olhar impetuoso, franco e ligeiramente arrogante, que escrevia poemas e romances hoje tão distantes de mim? Não está, embora um seja fruto do outro, e eu admire profundamente aquele rapaz que me olha como se esperasse ansiosamente esse encontro com o futuro. Então vejo que o tempo é mesmo uma matéria-prima aquosa, fluida, que se adéqua progressivamente ao manuseio do destino. São nossas escolhas, mas principalmente o nosso embate contra o acaso, que nos transportam para o presente. Se não ficamos pelo caminho, tragados por um acidente ou devastados por uma doença, devemos isso a ele, assim como devemos as frustrações, perdas e pequenas vitórias que ele nos oferece. Sendo assim, o que restará de mim, desse eu que escreve este texto aqui neste blog, daqui a vinte anos? Claro que somos basicamente um acúmulo de experiências, que se acomodam em camadas sobrepostas, mas imagino que o português claro que utilizo agora para dar vazão a esses questionamentos soará como sânscrito para aquele homem velho. E que as minhas fotos de hoje provocarão apenas ligeiras cócegas na sua mente.
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